sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Novo papel Kodak

A foto era inrasgável. Mecanicamente, digo.

*

Eu tive esta ideia de que a vida havia sido vasta demais em documentação, e que tudo que deveria ser importante estaria aqui dentro quando eu precisasse. Resolvi rasgar as cartas de amor.

Alguns rasgões depois, perguntei a mim mesma se fazia a coisa certa. Não tinha resposta, mas me sentia tão bem.

(Cigarro faz mal, mas me sinto tão bem; bebida faz mal, mas me sinto tão bem; batata frita faz mal, mas me sinto tão bem; amar também)

Perguntei a um amigo se estava fazendo direitinho e ele disse "NÃO!!", ao que respondi "tarde demais."

*

Deixei algumas marcas na foto ao tentar rasgá-la. Seria um sinal? Guardei-as com o desenho de uma flor. Guardadas com o desejo de liberdade.

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Com uma carta diverti-me no primeiro parágrafo, emocionei-me no segundo e entediei-me na primeira frase do terceiro. Esse amor era um fardo.

Outra, lembrava exatamente do que se tratava. Nunca esqueci. Só que o tempo tornou-a criptografada, a letra que amava ler tornou-se ilegível.

Essa terceira me supreendeu: dizia que me amar não era bom. Que eu não era boa. Que eu brincava com seus sentimentos. Creio que pensa o mesmo até hoje, depois de tanto, depois de tudo. Devia ter razão: por que a guardei por tanto tempo? Sádica.

*

Tirei-a da gaveta. Cortei-a em tiras verticais. Era a foto de um beijo. Juntei as tiras para jogá-las fora. Hesitei. Montei de novo o quebra-cabeças.

*

Numa folha de papel rasgado, algumas frases em alemão. Não era nenhum souvenir. As memórias que não me deu, mas as pequenas coisas que eu acreditei ter recebido para criá-las. Dessa me desnvencilhei facilmente, enfim.

Um papelzinho com um telefone. Rasguei sorrindo. Não sorria para você há cinco anos, meu caro.

E outro, o telefone que já sabia não existir mais. Já era, em si, uma memória inútil. Rasguei. Doeu.

*

Tirei do quebra-cabeças a tira com a imagem de nossas bocas. Tirei a boca do beijo. Você não vai acreditar: o beijo ainda estava lá.

*

Aí eu juntei tudo e joguei no lixo, e usei o espaço no armário para guardar roupas de inverno.

domingo, julho 10, 2011

Eidetismo V

Eu estava dormindo, e você me disse: "Quando vi sua mensagem, me senti ótimo. No dia seguinte, eu me sentia bem. No outro, eu já me sentia mal". Apareceu assim, no meu sonho, e depois me lembrou de algo desagradável que, no mundo onde sonhava, havia acontecido. Não o culpo pela acusação, todo relacionamento guarda tantas rusgas - no mundo imaginário e fora dele...

Às vezes gosto de acreditar que as coisas passam por um processo mágico, que essas palavras foram sopradas no meu ouvido à noite por você. Mas não foram. Elas são minhas.

(Vivi como se o meu presente fosse algum desvio torpe do meu caminho, nessas bifurcações silenciosas que só se mostram depois de 10 milhas na estrada errada)

quarta-feira, julho 07, 2010

Prólogo

... mas acontece que eu não gosto de cachorros e hoje um cachorro me ajudou a atravessar a rua, e vive-versa, e a cama continua parecendo vazia mas o coração parece cheio de alma e da desacreditada fé.

terça-feira, julho 06, 2010

Uterina almarilha

"Eva, I'm sorry but you will never have me
To me your just some faggy girl and I need a lover with soul power
And you aint got no soul power"
OF MONTREAL, Bunny Ain't No Kind of Rider


Um dia exaustivo e a cama. Eu amo a cama.

A cama e seu tamanho excessivo, seu edredom-virol-coberta, mais travesseiros do que preciso, o reino sultanesco prometido de quem acorda às cinco e meia e só volta às oito da noite. Luxo que é um útero para esses um metro e setenta e quatro, mais alguns centímetros de cabelos e unhas, essa menina gigante que adora retornar a um sono profundo e primordial, e nascer novamente. Ou não nascer. Ou esquecer...

...Da cama e seu tamanho excessivo, que faz eu me cansar rolando de um lado pro outro antes de pegar no sono (p'ra aproveitar o espaço). Seu edredom-virol-coberta que são exagerados até para o inverno, e mal suprem falta de calor humano. Dos muitos travesseiros que não substituem os abraços. Calvário de quem acorda cinco e meia da manhã e volta só às oito da noite, não se importando em gastar um pouco mais o corpo com alguém. Para lembrar que estou aqui, mas isso estranhamente só faz sentido porque alguém está aí, que me entenda/faça entender melhor que um espelho, que um útero. Falta um cordão umbilical para adultos, que dê mais que alimento: alma. Lama. Anagramas, trocadilhos infames e risos. Riso e outro esquecimento.

Eu odeio a cama.

sábado, junho 05, 2010

.

Eu quero me livrar desses títulos apoteóticos que prometem mais que cumprem.

Desses sonhos que distraem mais que realizam.

Desses amores que perecem mais que enraizam.

...

Mas como cumprir, realizar, enraizar, sem prometer, sonhar, perecer?

...

Ouve o meu chorinho e m'ensina, Zé.

sexta-feira, abril 09, 2010

Despeje água fervente

E agora eu chego aqui e começo a escrever um monte de coisas, não sei que coisas. Qualquer coisa para cortar esse silêncio que só faz ecoar mágoas, féis (?), féus, troféus, le feu. Bleu, tout bleu.

Um balde de água em algumas gotas de algo amargo, que talvez fossem desses remédios que fazem o terror da vida das crianças, mas que saram. Para beber, beber, e o gosto amargo ser um fundo esquecido, que dele só fique a cura.

Eu chego aqui e escrevo essas palavras para dissolver. Só dissolver, como eu tenho me dissolvido nessas ruas tortas e errantes. Ficando perdida de vez em quando, me encontrando na porta de casa. me acabando em pistas de dança, deixando um pedaço aqui e outro lá... Perdendo e achando depois.

Perdendo essas palavras, bleu, do baton rouge, do francês que eu queria, the english I read, o português que me resta, o brasileiro que não nasceu e o crioulo que nasceu lá no Cabo Verde, onde o turismo aumenta e falar do coração já não é mais pecado.

Bo ta bai?

sábado, janeiro 23, 2010

Pelas metades

agora, as meias-palavras

gos
lia
mor
tran

metade do meu tato, meias-verdades

xo
nho
si
va

metade da sua honestidade, meias-mentiras

dio
dade
mal
isso
ão. não.

mas sem o resto. você não merece a unidade.

(e as minhas metades são só um quarto)