quinta-feira, dezembro 22, 2005

Ela (ou Em Copo d'Água)

Tentava dormir. Relembrava o dia como se fosse uma canção de ninar. Como acontecera algumas vezes, Ela parou em um momento e o reprisava mentalmente, como quem procura os sete arros. Como acontecera algumas vezes, os erros pareciam ir muito além de sete. Como acontecera algumas vezes, ela começou a chorar. A cena: mesa do café, Ela, pai, madrasta, seu pequeno irmão e a babá do mesmo.

Como era difícil fazer-se ouvir!, aproveitou o momento de silêncio para dividir. "Hoje estava olhando as matérias do curso de Comunicaçaõ Social da USP, elas parecem tão legais e..." fora interrompida pelo silêncio. Seu pai encarando o nada, a madrasta fitando-a fuzilante brevemente, a babá tentando entreter o pequeno que se recusava a comer, a madrasta desviando o olhar pra fazer a ele uma graça e o pai encarando o nada. Eles voltaram a conversar entre si, ficando Ela agora sós com sua própria voz ecoando torturante na sua cabeça. O pai percebia sua voz em alguns assuntos médicos e dificuldades na escola, parecia surdo para todo o resto. Sua madrasta parecia não ouvir nunca, mas quando ouvia era como se a voz d'Ela fosse apenas um guincho incômodo.

Lembrava disso, da agonia talvez desnecessária, e o choro tornava a sua respiração difícil. Sentou-se na cama abraçada ao travesseiro e fitou a penumbra incolor do seu quarto, e logo depois fixou seu olhar em uma feixe de luz que desbravava as costinas da janela.

Perceber que a cena era o enésimo remake de recorrentes adaptações de um roteiro original que ela queria rasgar com os dentes, jogar para o alto e queimar depois, como em um ritual macabro de quem procura liberdade. Sim, agora estava claro: amava seus amigos, seus amores, seu amor, mais que tudo. Entretanto, não é possível ter um lar quando se é anônima nele. Não é póssível viver sem um lar, não mais. Não é possível ficar. E era por isso que Ela partiria em breve.

Ainda encarando o feixe de luz, os olhos molhados e os lábios quentes, Ela sorriu. A cena era simples. Conseguir entender a fazia feliz.

Ligou o abajour e em seu caderninho esquecido, na página ao lado da lista de prós e contras do moço da memória, escreveu com sua voracidade habitual:
"Tentava dormir. Relembrava o dia como se fosse uma canção de ninar. Como acontecera..."

Autobiografia

(Não que minha vida seja digna de nota, ou que exista alguma lei metafísica de que as pessoas devessem realmente prestar atenção em mim; não quero parecer presunçosa. Talvez por isso queira falar hoje sobre como seria minha autobiografia, mas não de fato contar minha comum e tão facilmente reconhecível estória.

Primeiro o título, que em nada seria heróico: "Zuzu", o primeiro nome ao qual atendi, mas ao qual não atendo mais - não insistam!. Nada como uma lembrança para começar.)

O mais importante a dizer sobre a minha autobiografia é que seria repleta de coisas banais. Pois são as coisas banais que me fazem rir ou chorar - o que talvez lhes dê certa importância e distinção - , e que me fazem de pedra no que se julga realmente importante. E é essa dicotomia que me faz fragilmente forte.

domingo, novembro 20, 2005

Banjo

talvez fosse um banjo

desafinando
desafiando
desfiando
desfiado
refiado
fiado
ado

a dor...

vida afora.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Sistema

Caminho na calçada
minha, minhas incógnitas
queridas, que passam.

Sentidos opostos; somos
afinal, o nosso caminhar,
nossos caminhos, nossos passos,

Nossos pés. Que nos levam,
que nos deixam,
que tropeçam sôfregos.

E vou, se chego:
termo independente nulo
na partida infinita.

E chego, se vou:
Solução trivial na inércia
de quem parte novamente.



Nota: Quinta-feira, quarto horário, Álgebra, sistemas lineares, solução trivial = {0,0,0}. A Matemática me toca de algum jeito que não deveria - antes isso que o óbvio da minha relação de ódio com Exatas.

P.S.: Parceria com a , minha companheira no mundo da escrita. Tema sugerido por ela. Confiram a outra versão no Eu Sou Atoa!

segunda-feira, novembro 07, 2005

Talvez

talvez seja assim
talvez

os passos de dança
risos e prantos
malabarismos
ensaio

vãos
tranpiro inspiro-
me

ouve-se os aplausos
mas não vê-se a platéia

talvez estivesse lá
talvez.

(talvez a melhor platéia
seja a que nunca vejo;
seja a que só ouço.)

domingo, novembro 06, 2005

Little damaged man

"Oi?"
"Opa"
"Bom?"
"Yeah... Kind of..."
"Você nunca responde plenamente sim, não é mesmo?"
"Não existe felicidade plena..."
"Wrooooong! Não existe felicidade plena que dure para sempre, mas temos nossos momentos.
E também existem os momentos em que a felicidade não é plena, mas predomina a ponto de se responder, animadamente: 'sim! estou muito bem!' "
"Não... Não pra mim... Essa é a sua maneira de ver o mundo..."
"Vixi... Ok, vou tentar não te contagiar com o meu otimismo."
"Guarde ele pra você... Pode precisar dele mais tarde..."
"É, guarde seu pessimismo pra você, pode precisar dele mais tarde (?)... Tipo, mais tarde, sabe? Quando você estiver sendo feliz..."
"Sim... Uma dose de pessimismo é bom na felicidade... Diminui o tombo"
"(Tombos de rachar a cabeça e o coração são necessários... É um custo justo... Para não ficar comfortably numb)"
(...)
"Acho que estamos ficando velhos"
"Hoje eu fiquei meia hora me olhando no espelho, pra depois olhar mais cinco minutos, perplexa: perdi trinta minutos da minha vida me olhando no espelho!... Pensar isto é estar velha..."


E assim segue a vida, os diálogos, as interrogações, as exclamações, as reticências... Sem rumo e sem prumo. Tentando achar sentido no que talvez não tenha sentido nenhum. Não é melancolia pensar isso. Se você repetisse a palavra "bola" incessantemente até que essa perdesse seu significado, talvez a ausência de significado fizesse da palavra algo significativo. A falta de significado faz dela um mistério, o mistério engrandece.

Isso me leva à minha oração ao mistério, na falta de pretexto melhor pra orar. Mas isso fica pra outra ocasião.



P.S.: A dona flor à esquerda, the little damaged man to the right, cada um buscando o seu sentido.

terça-feira, novembro 01, 2005

Perplexidade bate à porta

Eu quero realmente saber o porquê da banalização da palavra. Sim, quero. Por que, céus, por que, de repente, as pessoas agem como se ninguém estivesse ouvindo o que elas falam? Às vezes parecemos falar sem perceber que as nossas palavras valem alguma coisa, não importa quão ínfima como pessoa nos sintamos.

Na verdade eu não quero exatamente falar disso, já que a proposta de mais uma parceria minha com a era um post sobre os homens. Na verdade, um post sobre como os homens (seres do sexo masculino, sim, esse sexo complexo prolixo que eu tanto quero chamar - desculpe-me alguns - de lixo!) falam coisas, na maioria das vezes poucas, mas nas quais nem os próprios acreditam.

Mas eu devo informar de que nós, mulheres, acreditamos. Porque o racional é pensar que a palavra existe pra valer alguma coisa, e essas palavras valem muita coisa para nós. Muita. Quase tudo. Porque é do grão-de-areia que nos dão que construímos um castelo de areia, que sempre vem a desabar. As palavras-de-vento masculinas sempre sopram incessantemente sobre ele.

Que tal se os homens nascessem mudos (pra eu não ter que ver em nenhum comentário: "que tal se os homens nascessem surdos?").

Ou todos nascessemos mudos, assim nunca mais teríamos a perplexidade incrédula. Nem as palavras-de-vento. Nem os castelos de areia.

(Que pena, eu sempre gostei dos castelos de areia).

domingo, outubro 30, 2005

Pracinha

Na pracinha antiga, singela, pequena, com playground vermelho. Lá estava minha infância a cantarolar alegre, a brincar na areia, a escorregar pelos meus bracinhos pequenos. E eu rodava, gritava, era serelepe e pimpona, como era feliz!

Penso agora que nascemos com toda a felicidade nas nossas mãos, e que ela vai escapando aos poucos, mas contemos isso enquanto retornamos à origem. Por isso eu deito na barriga da minha mãe, por isso que eu tranço os meus cabelos ainda - só que agora sozinha - , por isso que eu gosto de espantar pombos ( e também porque eles são ratos com asas), por isso que eu rio das mesmas coisas sempre, por isso encanto-me pelo aprendizado, por isso que eu gosto de chuva, por isso que eu volto. Sempre.

Obrigada por voltar comigo...!

sexta-feira, outubro 28, 2005

Espera

a vida por ela mesma
são tantos os confortos externos
os esboços eternos
os olhares condescentes
mãos que afagam, e deixam,
e afagam novamente...
é morte... é sorte.
é ausência a sua presença

o foco agora é nosso
seria alegria e bossa?
seria... pois seja
esteja
onde agora posso ver.
onde agora eu posso ser?

a espera infinita do amanhecer...

domingo, outubro 23, 2005

A propósito da música

"Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar"

Porque tudo é muito real e tocável e só vôo quando danço. Porque a vida pode ser difícil, mas algumas coisas sempre nos dão prazer. Porque a minha vida tem trilha sonora. Porque tenho música para quando estou triste que me deixa mais triste e que assim me faz querer ser feliz. Porque querer ser feliz é o que basta. Porque tenho música para a felicidade que eterniza o momento. Porque meu erro é em fá sustenido. Porque dó é o início e o fim. Porque ainda vou tatuar uma clave de sol em local estratégico. Porque música rega a alma e pode regar o corpo. Porque ela nos tira da nossa inércia. Porque cura a hipodondria social. Porque talvez ela seja sempre a resposta de um "por quê?". Porque esse é o único caso que o que marca é a resposta, e não a pergunta: música e só.



P.S.: Porque meu sábado musical foi a resposta que eu esperava. Agradecimentos ao cLAP! (porque palma ao contrário é música que toca) e ao Los Hermanos (porque se a música emociona por si só, imagine com o fervor de um estádio todo cantando e pulando).

quinta-feira, outubro 20, 2005

Incógnita impossível

era meu amigo
meu cúmplice
parceiro dos crimes
dessa vida-prisão

era minha prisão
passatempo
diversão sutil
desse enigma-obsessão

era obsessão
meu enigma
que não me cansava
mas desiludia

perdi-me no desafio
fica consigo a resposta

segunda-feira, outubro 17, 2005

Monólogo

É incrível como certas imagens podem tocar, podem ferir, podem rasgar. A flor e a arma, o fascínio de um psicopata, a dor do parto, os delírios de um esquizofrênico. Sua indiferença é tão gritante que também é uma imagem. Uma imagem que toca, fere e que eu rasgo.

Às vezes penso que queremos a segurança dos nossos bens. E nós, não somos o nosso único e indelével bem?

A nossa dança é independente, os passos fluem sincronizados, o que você nega? Vai dizer que eu não danço bem? Conforme o ritmo, meu bem, conforme o ritmo e é você quem bate palmas. Não preciso que segure minha mão: basta olhar-me nos olhos.

O psicopata sim, como dança bem, como me tira o equilíbrio e força meus passos, como seguimos sincronizados, como seu sorriso ameaçador me conforta - é como um abraço. Segure-me pela cintura. Dois pra lá, dois pra cá. Não tenha medo de me quebrar. Dois pra lá, dois pra cá. Vamos!, me gire, me jogue, me aperte, me olhe, me beije, me odeie, me ame, me mate! Eu sobreviverei ao doce sadismo do seu olhar.

O que é este cavalgar insano perto da dança. Pois me venha com seus sentimentos! Pois me venha com seus movimentos bruscos! Queres meu bem, meu bem? Para largar-me sem remorso? Pois sim! Seu cavalgar não vale a dança, sua indiferença não vale o ódio. Não me fale de amor!

Enquanto segura-me pelo pulso, flerto com meu assassino. Você se importaria?

No meu monólogo, pouco valem suas palavras que já disseram tanto e não cumpriram nada. Então não responda, pois sua sina é o esquecimento. E sempre achei a morte muito mais atraente.



sábado, outubro 08, 2005

Acorde-me

Agora que tomei banho quente à meia-luz, que escovei meus dentes, que tirei minhas lentes, que penteei meus cabelos, que coloquei meu aparelho dentário, que vesti minha camisola, que arrumei a cama... Agora posso dormir.

Todas as noite realizo o ritual do esquecimento para mergulhar no eidetismo-nosso-de-cada-dia. É como se fosse uma (des)arrumação pouco vaidosa para a viagem em outros mundos, outras regiões, onde se é mocinho. Onde se é vilão. Onde se perde sempre pois, quando não sofremos, acordamos no final.

Agora que afofei o travesseiro, posso ir embora.

Mas não esqueça de acordar-me com um beijo, para eu saber se você sentiu saudades.




P.S.: Preparando-me para uma viagem não-eidética para Poços de Caldas. Se não tiver crises de sonambulismo (e o brotossauro que é o computador de lá resolver funcionar, como diria minha querida Srta. Di ), posto novamente em uma semana.





quinta-feira, outubro 06, 2005

Adeus

leva consigo meu sorriso
forasteiro
pois assim
(re)construo o meu lar

agora começa:
o primeiro ato da peça
que você nunca verá

as lágrimas
longe do seu olhar
as lágrimas

leva consigo meu sorriso
forasteiro
e sem ele, sabe disso
eu só haveria de chorar.



Imensamente influenciada por "De um adeus", do cLAP!, devido a um combinado com minha querida Lívia, a qual (não por acaso) também sentiu-se inspirada com a música.

Mas a inspiração veio de um forasteiro real, e coube a mim a incrível tarefa de auto-fecundar meu sorriso.

terça-feira, outubro 04, 2005

Vilões e bromélias

Eu queria falar sobre as bromélias, pois sei que elas são bonitas e que costumam ser gigantes na futuramente extinta Floresta Amazônica. E acabo de dizer tudo o que sei sobre elas.

Não quero acabar o texto por aqui, então devo falar de alguma impressões que tenho das bromélias, já que nunca vi uma de perto. Então vou exercitar meu 'conhecimento' não-empírico. Assim, direi que as bromélias são charmosas e ostentam uma vaidade que deve encantar os biólogos. São imponentes, com folhas que não parecem folhas como a da roseira-da-casa-da-vovó e flores que não parecem flores como as orquídeas (apesar de serem tão belas quanto). As bromélias parecem animais que gostam de brigadeiro, em suas formas surrealmente arredondadas. Seriam elas então um elo perdido entre os vegetais e os animais em geral (e o Homo sapiens em específico)?

Não creio. Pois sei que não as conheço, e não poderia fazer afirmações de tamanha importância (ou blasfêmia) no mundo científico. Para mim sempre serão vegetais/animais que se alimentam de brigadeiro enriquecido com clorofila. Para a ciência, óbvio que não.


Os mocinhos dos meus sonhos são como as bromélias. Na minha razão, são como os galantes heróis dos filmes de amor, românticos e com amores infinitos no tempo e no espaço. E sei que existem, apesar de não conhecê-los.

Os vilões são as roseiras-da-casa-da-vovó. Conheço como a palma da minha mão, e eles têm toda a minha simpatia. Eles são reais e me fazem ver. Eu os abraço e eles me beijam. Fazem crueldades comigo, são tão diferentes dos mocinhos! Mas amo os vilões, e quero que me acolham nos seus braços para sempre, pois me dão uma estranha segurança. Estranha segurança necessária.

Não quero conhecer as bromélias. Perceberia que elas são meros vegetais.

segunda-feira, outubro 03, 2005

Missão

Voem, borboletas, voem
Pois o céu é belo,
mas a beleza é finita.

É finita, mas existe
e em sua existência
persiste.

Desistir?
Só se foi sem tentar
(pois quem tentou, não desistiu)

Que valeria a vida sem os olhos
os sorrisos que dão frio na barriga
os beijos que me deram
(ou - ainda - não me deram)?
Sem o céu a rir-se maroto
a natureza a acontecer
os instintos a aflorarem
e as pessoas a se encontrarem?

A felicidade não é a sorte:
é a finalidade.

E a finalidade não é o fim:
é a eternidade.

Permanece...
(então não tema).

Tal qual a ingenuidade infantil que,
apesar de temer,
é feliz.


quarta-feira, setembro 28, 2005

Aula na Selva

Cada macaco no seu galho? Não. Macacos onipresentes em todos os galhos, esses igualmente primitivos e desconfortáveis, brincando com celulose branca e formas alotrópicas do carbono. Macaquices em geral, furor em explosão, algo como euforia e felicidade. Ou anomia, simplesmente.

Eis que chega o grandioso rei da selva, com seu rugido que lembra a todos de sua bocarra cheia de dentes afiados. Garboso e convencido de sua grandeza, sente-se enojado por lidar com macacos.

Um macaquinho revolta-se e contesta a grandiosidade do leão, mas não sai ileso: decifra Schopenhauer ou devoro-te.

Enquanto o grande rei, envaidecido, discorre temas filosóficos sobre a efemeridade da vida, os macacos (cada um em seu galho com gomas de mascar a sujar-lhes a calça), fazem macaquices discretas com a celulose e o carbono.

E todos saem felizes. Ou não.




(Missão adiada por tempo indeterminado)
(Não me encham com análises sobre os hábitos alimentares dos leões. (Ainda) não sou bióloga)
(Deviam usar a soda cáustica que tentam usar na nossa moral para lavar as latrinas do colégio, como já dizia João Cabral de Melo Neto)

terça-feira, setembro 27, 2005

Pergunta


"O poeta deve ser triste?", por Abud

Este não é um blog de perguntas e respostas. Tampouco um blog de certezas. Eu diria que é um blog de tristezas e felicidades (ou seria de felicidades e tristezas?) e, acima de tudo, de incertezas. Então sinto-me tentada a responder (ou tentar responder) a pergunta retórica de Abud, pois ela é um mistério para mim.

Algumas associações desconexas e imediatas: "poesia é o que se perde na tradução", e a tristeza se perde na tradução, pois nunca será profunda o suficiente (então poesia é tristeza); "o samba é a tristeza que balança", e a poesia é a tristeza que é exalada pelas palavras como veneno, balançando-se no ar (então poesia é tristeza); "o poeta é uma ilha cercada de palavras", então o poeta é só, e sendo só, é triste (então o poeta é triste).

Mas não. Não consigo, não quero acreditar que a beleza está na tristeza, que a beleza é masoquista e sádica. Se poeta é quem brinca com as palavras ao seu bel-prazer (ou bel-sofrimento), eu sou uma poeta. Estou fadada ao sofrimento? Não creio.

Tive agora uma vontade, vontade de escrever sobre a felicidade, sobre como eu gosto de jujubas, sobre como eu corro à noite para sentir o vento e o cheiro das damas-da noite (me sentido uma também), sobre como sorrisos me dão frio na barriga, sobre como eu gosto de rir até doer o peito, sobre como eu gosto de amar em todos os sentidos mais do que ser amada, sobre como eu tenho um milhão de motivos bobos para sorrir. Serão os motivos bobos que tiram a poesia da felicidade?

Por ora, as tempestades em copos d'água ainda parecem muito mais atraentes. Ainda.

(Filhas prediletas do Rajneesh também têm missões. Acabo de encontrar uma nova, e será concretizada no próximo escrito -pois as prediletas são muito eficientes também).

sábado, setembro 24, 2005

Sobre o despreparo

Que apresente-se o indivíduo que nunca enlouqueceu de tristeza, que nunca mergulhou de cabeça no abismo, que nunca sentiu-se o mais só da humanidade, que nunca quis raspar os cabelos para desmatar a ilha que (afinal) era, que nunca pensou em suicídio: declare-se o vencedor no jogo de viver.

Alguém? Não. Somos todos perdedores. Somos perdedores considerando "perdedor" como aquele que não se tornou ainda exímio na arte de ser feliz (ou de não ser triste). Somos perdedores que não aprendem com os erros e que, portanto, nunca serão vencedores.

A tristeza bate na porta na noite vazia e chuvosa, e abrimos por curiosidade. Ela entra e rouba-nos os movimentos. Ela entra sem pedir licença. Ela mostra-nos o que é profundo, o que é viver. Para viver é preciso morrer. E morremos um pouco.

Quando a felicidade vem, menosprezamos a tristeza, e por vezes esquecemos que ela veio. E que virá novamente. Nunca deixamos a casa arrumada para recebê-la novamente.

E, como bons anfitriões, sucumbimos.

quinta-feira, setembro 22, 2005

Oficina Livre

Existem coisas que podem ser mais instigantes para fazer na escadinha que chupar jujubas.

(vide "Sobre a inovação")

terça-feira, setembro 20, 2005

Incontrolável

não consigo parar
não posso parar
os movimentos frenéticos da minha mão não conseguem me acompanhar

meus olhos movem-se desesperadamente
em busca de algo
em busca do nada
do descanso e do repouso

não consigo parar, é incontrolável
minha cabeça dói e nunca consigo descanso
dos outros
(de mim mesma)



estou vivendo vorazmente
e anseio uma pausa para não gastar minha vida

aiaiaiaiaiai
está tudo fora de ordem, sem controle
sem controle

estou vivendo incontrolavelmente

e morrendo um pouco também.

domingo, setembro 18, 2005

Sobre a inovação

Eu nunca fui muito criativa ao escolher coisas pra se fazer quando estou triste. Mas hoje eu inovei-me. Estava já enjoada de chorar e tentar distrair-me com a TV para depois lembrar que eu estava triste, ouvir uma música bem deprimente n vezes seguidas e chorar mais ainda, para depois olhar pro espelho e, ao ver meu rosto inchado, lembrar-me de que um dia havia sido vaidosa e que olhava no espelho para ver minha felicidade (ou beleza, para os leigos), e não minha tristeza. Sobre a inovação: eu saí do meu casulo, voltei aos tempos da vaidade e do orgulho onde minha estima valia muito (muito para ser pisada por qualquer um) e fui fazer um passeio à noite sozinha.

Percebi que estava vazia o suficiente para fazer aqueles pequenos saudáveis joguinhos de sedução, em coisas banais como sorrir e dar "boa noite", e receber sorrisos e algumas cantadas (foi quando percebi que as cantadas só são abusadas quando você está brava ou chupando um pirulito). É como uma tímida manifestação da alegria, essa festa entre desconhecidos que é o flerte, mas cansa também. Não era isso o que eu queria.

Fui ao supermercado comprar jujubas, e subi as escadinhas que levavam à rua de cima. Essas escadinhas são entrecortadas por dois patamares que permitem a vista da avenida Prudente de Moraes, algumas ruas e "as luzes da cidade acendendo o fogo das paixões", fora o ventinho amistoso. Sentei-me no segundo patamar, para me sentir duas vezes a dona da avenida e da minha vida. Fiquei a refletir (sem pensar em coisas tristes... nunca pensei que fosse me distrair assim!).

Fui interrompida quando vi um rapaz de rua a subir as escadinhas. Aparentava ter a minha idade. Cogitei ir embora (domingo a essa hora é um perigo ficar em lugares desertos), mas acabei ficando. Talvez ele só estivesse de passagem. Por que fugiria dele como quem foge de um animal?

Não estava de passagem. Sentou longe de mim e, ao fitá-lo, ele desviou o olhar. Seria sua intenção me assaltar? Quem saberia? Ofereci um pouco de jujubas pra ele, aquela distância me incomodava e fazia eu me sentir uma tirana, uma suja, uma pedra. A princípio ele recuou, mas fiz um gesto com a cabeça para que ele aceitasse, e então chegou perto de mim. Estendi o saquinho para ele pegar algumas, mas ele apenas me estendeu uma mão em forma de concha (fiquei surpresa comigo mesma por sequer ter avaliado a limpeza das mãos deles - como epsno que faria já que nunca esperei muito de mim mesma - e estender a ele o saquinho). Despejei metade das jujubas em sua mão e ele afastou-se novamente.

Senti-me feliz com aquilo. A tristeza enobrece as pessoas, para que elas sejam felizes e se recolham à sua felicidade e insignificância. E tornem-se pútridas novamente.


sexta-feira, setembro 16, 2005

Solilóquios III

Por que eu penso tanto? Não valeria mais minha vida se me atirasse em precípícios ou voasse antes que eu pudesse censurar meus atos? Valeria? Ah, o eterno não-saber...

Quando perguntassem aos homens que mulheres os atrai mais, deveriam responder: as que têm as cabeças nas nuvens em sincronia com um concorrente no reino animal.

Já tentaram morder seus cotovelos? Eu já tentei ser feliz. Sempre.

Às vezes grito por dentro (ou por fora) e me arranho só pra sentir minha vida mais de perto. A dor pode ser um alívio quando pensamos que estamos virando pó prestes a ser limpado por um espanador de camareira francesa.

Sinto-me usada quando uso as pessoas. Usá-las sempre é a minha intenção, por que tenho a impressão de que sempre acontece o contrário? Minha vontade de ser prestativa é maior que mim, devemos exercer nossas funções embora alguns esqueçam-se das deles.

Já tentaram bater a cabeça na parede? Um apredizado e tanto. Dói. (Sei que deveria ter aprendido isso na primeira vez, aos três anos).

Não adianta: posso estar arrancando os cabelos, mas o céu de Belo Horizonte sempre me faz sorrir quando necessário. E me acompanha nas minhas horas de choro.
(Chora comigo, céu, companheiro amigo eterno infinito que não me abandona e me rege do seu estranho modo perspicaz e sempre lindo). (Ri comigo também).

Para sorrir sem entender, olhe um símbolo oriental. Não importa o significado.
Mas sim o mistério.



quinta-feira, setembro 15, 2005

Botão vermelho

Meu corpo é teu
mas ainda estou
viva
reivindicando um pouco
de controle
enquanto isso
controlo-me
(para não esvair)

Mas dói
tuas verdades
dóem, tuas perguntas
dóem

mãos que reviram meu
corpo, que bagunça!, que
desastre...,
causas em mim.

consequências em quem?

que perigo, ai de ti!

(e ai de mim...)

quarta-feira, setembro 14, 2005

Infinitudes

Nossos estados de consciência podem ser, por vezes, caóticos. A tristeza não é algo novo em minha vida, e nunca será mero passado. Vivendo aprendemos que alguns ditados são facilmente aplicáveis, como o que eu falarei agora: "não há felicidade que dure para sempre e nem tristeza que nunca acabe".

De fato, se fôssemos pensar no tempo real, as felicidades (assim como as tristezas) têm fim. Vivemos em um ciclo, em uma roda da fortuna em que a probabilidade de ser feliz é potencialmente maior que a de ser triste. Mas estamos falando do tempo real.

E o nosso próprio tempo? Aquele que parece não parar, e parece não passar também? Dele podemos tirar conclusões mais expressivas: a tristeza, quando existe, é infinita. Por isso que, por mais que eu tenha consciência de que ela irá passar, de que ela se dissolverá, isso nunca me faz menos triste. Pois a tristeza, enquanto persiste, é tão infinita, tão sem perspectivas, tão dolorosa!

A felicidade, quando existe, é tão contagiante que nunca pensamos em que nela possa existir uma infinitude. Será que pode mesmo? A felicidade esteve quase sempre presente na minha vida, mas ela escapa com tanta facilidade que começo a duvidar de que nela também possa existir infinitude. As felicidades da minha vida foram efêmeras, e se transformaram em doces lembranças amargas. Não há nada que prolongue ainda mais a momentânea infelicidade infinita do que a lembrança de que já se foi feliz.

Quando percebi isso, deixei de notar um certo ar infantil nas músicas do Tom: "tristeza não tem fim, felicidade sim..."

Sobre o meu tempo, posso dizer que ele é o meu maior vilão. Ele que me enlouquece e me imerge em crises inebriantemente sombrias. Ele que me faz perder qualquer tipo de esperança ou otimismo.

Nada que uma boa ampulheta não resolva.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Sobre as minhas paixões



O que seria uma paixão para mim? Vira-me a cabeça e me tira do sério? Não falarei de amor agora, falarei de teatro!

O palco tem um cheiro inesquecível de madeira. Não é qualquer madeira, não é qualquer piso, é um universo parelelo que cruza o nosso universo. Não dizem os matemáticos que duas paralelas se encontram no infinito? Pois então, teatro é o ponto no infinito. Se considerássemos o infinito o fim, e o fim um começo, o teatro seria o início. A tela em branco.

Lá, nesse ponto infinito, você cria outras pessoas dentro de si mesma. Lá, nesse ponto infinito, você se lembra da realidade e se esquece dela ao mesmo tempo. Lá, nesse ponto infinito, você se sente em casa. Lá, nesse ponto infinito, você se sente livre.

E como é bom ser livre e voar! Não são necessários cabos nem roteiro do Peter Pan: o infinito flutua, o infinito é uma bolha. Lá tenho meus figurinos e minha maquiagem e, no entanto, estou nua. Por dentro e por fora.

No infinito as luzes vêm de todos os lugares e com toda a intensidade. Mas a liberdade não se ofusca. O frio na bariga não se ofusca. Os aplausos não se ofuscam. A paixão também não.

domingo, setembro 11, 2005

A Revolta da Rosa



PARTE 1 (se não gosta de poesia, pule para a parte 2)

A minha rosa

A mim! Foi a mim que ouviste?
Eu! – chamá-la minha rosa!
De certo que é bem formosa
Entre criança e mulher!
Se a vejo tão jovem ainda
Tão simples, tão meiga e linda,
Da vida no rosicler;

Podia chamá-la rosa,
De musgo ou de Alexandria,
Rosa de amor, de poesia,
Mas lhe não dava o que o seu;
Porque se essa flor mimosa
Já chegaste ao teu retrato,
Havias ver como a rosa
De repente esmoreceu!

Porém teu amor, querida,
Teu amor é minha vida,
Que é meu cismar, que é só meu;
Esse que te faz formosa
Entre todas as mulheres
Onde achá-lo?! – Minha rosa...
Minha és tu!... Como sou teu.

Não nego que é meiga e linda,
Entre mulher e criança
Tão jovem, tão meiga, e ainda
Da vida no rosicler;
Mas tu vales mais do que ela
Não conheces bem teu preço;
Acho-te muito mais bela
Como és, - entre anjo e mulher.

GONÇALVES DIAS


PARTE 2 (se não gosta de segredos, fofocas e futricas, fique só na foto mesmo)

Sobre mim: Isso mesmo, agora não é mais sobre a foto. Hora de fazer confidências que vão além dela. Ilustres desconhecidos, talvez isso não interesse a vocês mas eu tenho que publicar: este poema eu dedico a mim. Por quê? Por que eu descobri que nenhum homem nunca vai fazer isso.

Tá, deixa eu tentar fazer isso ter sentido. É o seguinte: Não ficava com ninguém há séculos (a palavra “séculos” pode ser bem relativa, então peguem o que vocês consideram muito tempo e usem como referência – porque o meu tempo é impublicável). Sei que ficar é uma coisa bem física, mas sempre fiquei com pessoas com as quais eu estivesse de alguma forma envolvida emocionalmente. Então chegou um cara que dava em cima de mim há muito tempo e por carência fiquei com ele. É, errado, eu sei, mas eu-carente sou pior que eu-doida e eu-neurótica: incontrolável. Voltando ao cara, ele beijava mal e eu sequer achava ele uma pessoa agradável. Mas eu fiquei eufórica.

Havia desencalhado. Nada como um dia depois do outro, porque eu caí em um poço de arrependimento. Inevitavelmente eu encontrei ele no final de semana seguinte (que viria a ser o último final de semana). Ele ficou de marcação cerrada em cima de mim, e toda hora falava “ Você não vai me beijar na boca mais não?”. (Na minha opinião não tem nada mais vulgar que a expressão “beijar na boca”). Se depois daquela noite desastrosa a melhor coisa que ele tem a me dizer é isso, milhares de poemas nunca serão lidos a mim por bocas masculinas. Se for lido por bocas femininas com segundas intenções, também não adiantaria porque eu sou heterossexual. Vou ouvir então da minha boca. Vou fazer serenata na minha janela. Vou declarar amor a mim mesma. Vou colocar a foto acima embaixo do meu travesseiro. Vou fazer o impossível para que cretinos como ele não matem o infinito amor guardado em livros empoeirados esperando ser dedicado a alguém. VOU DEDICÁ-LO A MIM!

Ahá! Agora me digam: quem precisa de homens?

Desculpem se fui precipitada ou coloquei em questão idéias generalizantes, não esperem hoje algo melhor de mim.


Considerações: Este é um post de um dos inúmeros fotolog que tive (que está, como os outros, inativo - então nem deixo o endereço), referente ao dia 04/10/04. Sobre o meu pensamento, quanta diferença! Como alguém pode mudar da água pro vinho (ou do vinho pra água, ou da cachaça pra vodca, etc...) em pouco menos de um ano?
Revoluções... As revoluções mais significativas são aquelas que acontecem em você mesmo, pois são elas que têm o poder de mudar idéias comuns.

Até em si mesmo.

sábado, setembro 10, 2005

Emplasto

Eu tinha uma idéia que era um soco no estômago e que me desesparava. " (...) pendurou-se-me uma idéia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrogantes cabriolas de volatim que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te"*.

Sim, decifrei-a. Mas ela continuou a devorar-me voraz e impiedosamente, com as dúvidas que não cessavamm e que, abrasivas, corroíam. Uma ideía livre e saltimbanca, com uma auto-anomia que não mede escrúpulos. Livre, não segue a regra de não ferir para não ser ferido. Idéia que me rege e não me guarda. (Idéia que é minha mas não me livra de alusões e citações).

Inimiga e corrente. Ela me unia a algo e me trazia uma felicidade inconsciente. Quando me desfiz dela, meu consciente nunca esteve tão perto do meu inconsciente e eu nunca me senti tão triste e tola. O que me unia de desfez, e eu finalmente me libertei.

A liberdade nunca havia me parecido tão aterrorizante.



*"Memórias Póstumas de Brás Cubas", Machado de Assis

Falha

Falha técnica simultânea: no meu computador e na minha inspiração.

Nada que uma boa imersão (?) não resolva.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Pausa

Pausa para o café, para descanso, e pra lembrar o que realmente está acontecendo.

7 de setembro

comemoramos a independência
por pura sacanagem.
nos livramos dos portugas,
mas não da politicagem.
os gringos nos escravizam
e o governo só diz bobagem.

ANITA COSTA PRADO

segunda-feira, setembro 05, 2005

Solilóquios II

Quais são os limites da razão humana?
Muitas vezes já me perguntei se eu saberia se fosse louca, ou tivesse alguma debilitação ou síndrome, por exemplo. Percebo como tratam as pessoas que têm síndrome de Down: afetuosamente, como crianças, estejam elas com a idade que estiverem. Não digo que deveria ser de outra forma, mas isso me faz pensar que tudo o que acontece na nossa vida é armado para que ela seja confortavelmente real. Com felicidades e tristezas. Com alienação cuja cura não se encontra em livros.
Na tentativa de não me alienar, imagino-me uma louca no meio de tantos outros loucos, que vivem em prol de de fazerem-se sentir normais e com uma estranha igualdade. Quando me imagino uma louca, sucumbo em minhas próprias neuroses. Minhas neuroses me consomem e talvez seja considerada louca apesar do pacto inconsciente e silencioso que a humanidade fez para aceitar-se. Ou seja, sou louca ao cubo e descontente de mim mesma (será?).

Pior que ser louca é ser uma louca neurótica.

E descontente consigo mesma.

sábado, setembro 03, 2005

Vapt Vupt

Ouvir jazz dá vontade de dançar por dentro e por fora.

Os amigos de verdade não estão ao seu lado, e sim são ao seu lado.

No ônibus um cara estava vendendo algodões-doces amarelos, laranjas, rosas e brancos. O cara viu minha cara de criança querendo doce e sorriu pra mim quando perguntei qual era o preço. Peguei rosa, a cor das meninas. Ele estava doce e gostoso, mas amargo. Não parei de comer porque o cara simpático estava perto e, afinal das contas, era um algodão doce muito bonito de se comer. Ao final, percebi que poderia estar sendo envenenada. O moço me pediu o palito de volta, e constatei que A- tinha acabado de comer algo não muito higiênico e B- ele estava recolhendo as evidências. Peguei meu bloco de notas e escrevi uma descrição policial dele, disse em qual ônibus estava e como era amargo o algodão-doce, caso alguém procurasse algo perto do meu cadáver.

Esperar ônibus não é legal, principalmente quando parece que eles não irão passar nunca. E, de fato, não passam.

Sinto pelos publicitários: a imagem não rege o mundo como muitos acreditam. Não há algo que aproxime mais as pessoas do que as palavras. (Se uma imagem vale mais do que mil palavras, escolho duas mil palavras)

Um dia acordei pensando que estava grávida de um espírito santo no qual não acredito. Entrei em pânico e percebi que seria capaz de aborto (não, o mundo não precisa de mais um messias para sofrer pecados alheios). Um dia acordei e percebi que era uma assassina em potencial.

Ouvir jazz dá vontade de dançar por dentro e por fora.



P.S.: O que é real? Biografia ou metáforas? Talvez os dois.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Segundo ato

preciso de liberdade
quero esquecer maiúsculas
(como já havia feito para algumas palavras 'mágicas'
- e pouco lógicas)
quero escrever aqui


acolá
pra cá e ___________________________ pra lá

não quero limites, não quero espaço
quero um segundo ato

quero sentir e sentir palavras caírem como quiserem
ou como puderem

como não convir!

sinto a liberdade estrando em espaços indefinidos
e na falta de cooperatividade para com o leitor

(ou pela total cooperatividade de dispensar o inútil e ser direta como bala
os indiretos burocratizam e atrapalham, ai de nós!)


com vírgulas faço ,,,,,,,,,,,,,,,,,,
com interrogações faço ??????????
com exclamações !!!!!!!!!!!!!!!
com pontos faço finais no que é infinito
ou no que quero que seja eternizado

com sentimentos faço
issssssssssssssssssssssssso

e aqui sem ponto e sem ponta inicializo

quarta-feira, agosto 31, 2005

Pêcapêmipênhapêda

placenta

puro proteção

pipa pirulito patins

paixão parótidas pretensão pormenores

portinari picasso paulo prado pleonasmo

pato pateta paca pingüela pinto perereca

parada porta perda puritano polido porventura pedra
pó.

Pó pororó pó pó.

terça-feira, agosto 30, 2005

Intervalo

Um dia para respirar.
Um dia para expirar.
Um dia para inspirar.

Preparando-me pro segundo ato.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Desenho

Não há algo que me dê mais medo do que desenhar. Quando vem aquela vontade de começar uns rabiscos despretensiosos eu percebo a agonia que é começar algo do nada. Não se sabe o que vai acontecer, se a sombra ficará boa. Se terá originalidade com um toque do surrealismo de Dalí. Se mostrará o que sinto, e não tão somente o que vejo. Se minha mão irá tremer. Talvez a incerteza me dê mais medo do que desenhar.
Começo um traço vertical. Apago. Começo outro horizontal. Quem dizia mesmo que deveríamos ser mais horizontais? Certo, sem mais malícia. Não, com mais malícia! Com pimenta calabresa... Pizza, sim, ou comida tailandesa. Apago o traço horizontal e inicio uma curva (pois se a vida não é algo circular?). Manejos para cá e para lá, esfumaço, uma sombra aqui e outra ali. Olhos inquisidores, boca trêmula imóvel.
Sai algo que não sei bem o que é. Mas sai e já está fora de meu controle. E continua saindo, não posso ou devo me controlar. Para desenhar é preciso coragem.

Para viver também.

domingo, agosto 28, 2005

Cicatrizes

Cada cicatriz minha me lembra algo. Teria vergonha se não soubesse sobre tudo que compõe meu corpo, desde os genes dos meus ancestrais (marcas alheias em mim) até as minhas cicatrizes (as marcas dos meus caminhos).
Se nos filmes, ao passarmos por caminhos tortuosos e sombrios, carregamos arranhões, os arranhões da vida vêm das mais belas e ingênuas brincadeiras de criança. Não digo que não houve sofrimento: o êxtase sempre acabava em choro. Mas digo que toda a felicidade do pega-pega e do esconde-esconde prevalecia. Todas as minhas lembranças doces da minha infância se eternizaram em marcas de amargas feridas, mas se esternizaram.
Sobre essa infância, devo dizer que perdura até hoje. Que perdurará para sempre se eu for perita na arte de viver. Que o esconde-esconde nunca será revelado, e os arranhões sempre acontecerão no dia-a-dia ou na vida-a-vida.
Outras marcas (invisíveis aos outros, gritantes a mim) compõem meu eu. Não acredito em coisas metafísicas, mas eu diria então sobre o quê? As marcas do meu cérebro? Tirarei uma licença literária para falar das marcas da minha alma. Aquelas que fizeram de mim o que eu sou hoje, e das quais não consigo ( e nem posso) me desvencilhar. Elas talvez sejam marcas de filmes, de caminhs tortuosos... Não sei. Essas são as lembranças que ficam. São as lembranças que me fazem seguir em frente, até que a minha vontade de viver esteja saciada.
Ademais, devo dizer que ainda tenho muita pele lisa e alma intocada. Continuo assim, moldando-me, até que eu mesma seja uma marca para mim, ou para alguém... Ou para ninguém.

sábado, agosto 27, 2005

Solilóquios

Sobre as coisas que eu pensava:

Pensei que nunca aprenderia andar de bicicleta (aprendi e nunca mais esqueci, apesar da falta de prática), pensei que os laços eram como nós em cordas de marinheiro (mas eles romperam-se um a um... até os que atavam-me os pulsos), pensei que a vida fosse como um filme (mas senti falta de uma trilha sonora e um final feliz, mas em algo não me enganei: a maquiagem sempre esteve ou estará lá), pensei que o ódio fosse pra sempre (e é eterno enquanto dura, o que seria só o tempo que demora pra um suquinho de maracujá fazer efeito) e que a vingança fosse a solução (mas se perde com o maracujá também), que a justiça não falhasse (sem comentários), que a ética fosse um objetivo comum, que as utopias tinham a mesma distância da nossa vontade, que ser amada era melhor que amar (mas o amor só é sentido quando parte de você, mesmo que não alcance ninguém), que a beleza se resumia às Barbies e garotas que não fossem eu, que amava o suficiente (e já estou eu amando mais do que julgava ser capaz), que não fosse suportar (a dor, a felicidade, o medo...), que a felicidade não poderia ser maior ( e foi!) ou que nunca acabaria (nada é perfeito...), que a tomada não dava choque (AI!), que estava tendo as chagas de cristo (cortes ivoluntários em "inofensivas" folhas de papel), que acreditava em deus (sim, agora só escrevo com letra minúscula), que iria morrer por ter inalado uma substância um tanto quanto ácida e/ou tóxica (três copos de leite...), que iria embora (e fiquei), que fosse ficar (e lá vou eu), que tinha vivido tudo (então soprei as 16 velinhas), que não tinha vivido nada (e escrevi esse texto).

P.S.: Pensei também que já tinha experimentado de tudo (mas bebi sucos de uvaia e physalis).

P.S.:

(Dedico esse fragmento à Bia-chan)

Pensei que fosse obrigatório gastar pelo menos um horário de aula na Match Point (mas descobri que existiam aulas Português - que Carlos? Ahn, professor?) e que aquela história de "quem brinca com fogo é pra se queimar" fosse conversa fiada (e descobri que plástico derretido arde pra caramba e que cicatrizes são eternas - e que não devemos queimar mesas de plástico alheias).

Não é muito meu estilo, mas precisava constar.

sexta-feira, agosto 26, 2005

Eidetismo II

De repente deparo-me com um bosque em minha frente. Fora as gramíneas, os primeiros vegetais que meu olhar intercepta são jovens, são mudas. Evoluem para árvores imponentes e majestosas... Que são flores perto destas, tão garbosas? Festa das cores, perfume da primavera, dança selvagem e sutil: convite a um passeio. Conforme vou, excitada, adentrando-me à floresta, as cores vão desaparecendo, assim como a vida. Árvores tão vistosas envelhecem, o tempo passa e não o vejo, não o alcanço. A medida que avanço o ar torna-se denso e viciado, as cores se perdem totalmente, a luz também. Perco a direção, para onde devo ir?, perdida começo a girar sem mover os pés. Corro desesperadamente, o gosto de sangue na boca, o calor, as feridas e os arranhões, degrado(-me). Com o tempo e o cansaço, tudo fica mais nítido e claro. Alcanço uma clareira onde, atônita, vejo bruxas enforcadas nas árvores com os pés de morte balançando em um passivo e mórbido bailar. E o olhar de quem viu verdade. O olhar me incomoda e faz surgir ruídos dolorosos na minha cabeça. Começo a gritar de desespero, perco o chão sob os meus pés e inicio uma queda infindável em meio às trevas.
Depois da tormenta, a calmaria: passeio por um jardim repleto de flores, onde, ao longe, crianças brincam em um playground. Está chovendo e trovejando, pelas narinas o cheiro de terra molhada. Está escuro, mas perfeito: a chuva é minha redenção, os trovões embalam os sentidos cada vez mais aguçados.
O despertador toca, rapidamente me arrumo pra mais um dia de olhares massacrantes no colégio. Corro para não perder a aula, como se ansiasse pelos olhares de reprovação. Ao encarar a professora, sinto um frio estranho: meus pés estão descalços e o chão, gélido. Gélido como as risadas da sala. Gélido como a idéia de não ter sapatos. Gélido como a vida de uma criança perdida.

quinta-feira, agosto 25, 2005

Seis

O que eu disse: Beije-me como você nunca me beijou antes.
O que eu queria dizer: Beije-me como você nunca me beijou antes, como nunca pretende beijar outra garota, como nunca beijou alguém no seu passado. Beije-me como se fosse o fim do mundo e o céu e a terra se unissem para este momento especial. Beije-me com a suavidade da seda. Beije-me com força e eloqüência. Beije-me com ânsia e desejo. Beije-me respeitosamente (e finja que sou uma dama) e ardentemente como beijaria uma fulana atraente. Beije-me como se me odiasse. Beije-me como se me amasse. Beije-me como se, simplesmente, se importasse. Beije-me como se fosse a única coisa que lhe restasse...
O que eu fiz: Esperei.
O que ele ouviu: Mais uma sandice.
O que ele queria ouvir : Talvez nada.
O que ele fez: Riu.

E me beijou de um jeito que nunca esquecerei.

quarta-feira, agosto 24, 2005

Ra ta ta

Algo como a loucura
que me atravessa;
oh! doce contato, eu e
você.

Nesse compasso quebra-se
qualquer lei física;
no mesmo espaço, eu e
você.

Mas na palavra (,)
d i s t a n c i a m e n t o

Quero voltar pro sul
(por) inteiro.

terça-feira, agosto 23, 2005

Sobre os amores

Não sei o que pensar sobre o amor. Não sei o que pensar sobre os amores que tive. Não sei o que pensar sobre o amor que tenho. Ou os que terei. Dizem que amor não é pra pensar, é pra sentir, mas eu não consigo evitar de fazer o que me é impróprio.
Não posso mais sentir o passado, racionalizarei-o então: o que eles significaram para mim? No momento meu olhar era terno (penso, às vezes, que terno como o de uma mãe - mas não foram eles meus filhos... Só se filhos forem ilusões). Eram tantas as idealizações e, paralelamente, tantas as decepções, e no saldo final é como se positivo com negativo desse zero. E eles fossem insignificantes. Ou nem existissem.
O presente é vívido, posso tocá-lo e senti-lo tão profundamente que dói. Tão profundamente que estremeço, e às vezes até esqueço. Sobre ele tenho um olhar apaixonado, pois nele sou amante e, quem sabe, amada. É como uma inundação na psiquê, fresca e agoniante, por ora sufocante, mas que não deixa de ser um banho frio em uma noite enluarada e quente de verão. Não consigo, agora, perceber o trilha paralela das idealizações, e tenho medo de percebê-la futuramente (como conseguiria lidar com a possibilidade de o saldo final ser novamente zero? Que o que é, nesse momento, tudo, um dia seja nada?).
No futuro a trilha das idealizações anula a realidade. E tudo é perfeito, como eu sempre sonhei, com príncipes encantados me acariciando com tanto respeito e amor que eu transbordo. De alegria. De emoção. De enjôo. Mas transbordo e alcanço a tão sonhada utopia. Me sinto bem às vezes por não conseguir nunca alcançar o futuro (porque, depois dos despojos do enjôo, o saldo também haveria de ser negativo).

Lições do dia: carinho com o passado, apreço pelo presente, realismo no futuro.

Só falta decorar.

segunda-feira, agosto 22, 2005

Bloqueio

Eu não consigo mais escrever. As músicas, ó céus!, não saem da minha cabeça. Entram pelos meus ouvidos e ecoam, ecoam, melodiosas, na minha mente - dizendo por mim tudo o que eu queria dizer, mas não sabia. Minhas angústias, paixões, desilusões, esperanças, todas, dançando serenas em bocas alheias.
Me sinto impotente ao pensar que existe algo que impeça a mais íntima de todas as minhas relações: minha lapiseira preta. De que valem as palavras que aprendi, as que irei aprender, as que nunca aprenderei, o estilo, as alusões, o texto, o intertexto, o contexto, e todo o resto do universo da escrita no qual entrei de penetra (e sem querer) se tudo o que eu tenho a dizer foi dito por vozes suaves e dedilhar de violões?
Sim, elas falam de tudo: de como dói a ausência e a rejeição, de quão eterno é o amor, de como o mundo me mantém embasbacada e admirada, de como desejo que minha vida seja um filme (se já não o é), da saudade, do medo, da vontade de morrer e da ânsia de viver.. De tudo (tudo!) que é minha vida.
E agora, silenciosamente, com braços baixos, adormecidos, e o olhar perplexo, percebo que todos os meus mistérios que tento (com muito custo) desvendar e passar para o papel já foram cantados por estranhos.

Somos todos tão iguais assim?

domingo, agosto 21, 2005

Desarticulada

Ao chegar em casa, a mesma cama, os mesmos livros, a mesma desordem. Mas algo diferente sobrevoa minha mente. Falta algo, um braço, um pé ou um fio de cabelo? Você.

Como sinto falta daqueles tempos, de quando meu mundinho caótico me bastava, de quando essa sua presença fugaz não entrava e saía silenciosamente de mim (e comigo ficar o vazio mais cheio que se possa existir). Você, constantemente tirando algo de mim, me deixando nua por dentro e por fora e estranhamente, deixando em mim algo que não consigo entender e ainda não sei se é bom ou ruim. Você, deixando sua marca, como diria, "crescendo dentro de mim".

E gosto disso? Não sei. É como se só percebesse quando estivesse nessa sua presença viva que me faz vibrar e me faz ver as coisas claramente, sem perceber. Sem entender. Mas quando estou longe de você sinto a marca que ficou, no seu cheiro a impregnar meu corpo e sua imagem a inundar meus olhos, mas ainda sem entender. É tão óbvio, mas incompreensível. Estaria eu agora definindo a saudade?

Quero sua presença para entender o que se passa, para essa marca se concretizar, para o escuro parecer mais claro, e, no entanto, continuar escuro. Para entender. Para esquecer. Você.

sexta-feira, agosto 19, 2005

Medo

Eu tenho medo de quando toca, toca, e ninguém atende. Quando o seu celular está desligado. Quando não consigo falar com você. Quando não consigo o rastrear. Quando eu mesma falo em "rastrear". Quando você simplesmente some, nem que seja por alguns momentos. Quando eu tento agir como se você nunca tivesse existido. Quando tento agir como se você nunca estivesse existido pra mim. Quando tento agir como se eu nunca tivesse existido pra você. Quando eu não consigo falar com você para ter a certeza de que pelo menos alguém existe para alguém: você para mim.
Eu tenho medo quando penso no que pode acontecer. Quando penso que você pode estar se jogando em algo ou de algo de olhos fechados. Quando penso que você pode se cortar sem querer. Ou por querer. Quando penso que você pode estar comendo ou ingerindo coisas estragadas (por que nunca olha o prazo de validade). Quando penso que não estou por perto para garantir a sua segurança. Quando penso que você está feliz com isso.
Eu tenho medo de saber que você se esqueceu de pensar em mim. Que isso signifique liberdade para você. Que você goste dessa liberdade.
Eu tenho medo de que você se esqueça que eu tenho medo. E tenho medo que isso seja para sempre.

quinta-feira, agosto 18, 2005

Sentido

Hoje foi o dia dos sentidos. Os arranhões transformaram-se em cortes e carinhos tornaram-se profundos e muito mais verdadeiros.
Mas o prazer foi o senhor do dia. Imagens oníricas, vozes melodiosas, corpos úmidos e quentes e gosto de maracujá faziam dos cortes meros coadjuvantes.

Quanto mais aguçados se tornam os sentidos, mais distante se torna o sentido.

Sentido de quê?

Viver?

quarta-feira, agosto 17, 2005

Eidetismo

Mãos nuca lábios língua saliva e, de repente, um par de olhos estranhos me encaram eternecidos. Como explicar o infinito dentro do beijo de um estranho? O infinito remexe minhas entranhas e meus músculos se contraem sem que, no entanto, eu sinta frio. Não sei dizer como era quem me beijou, se era feio ou bonito, sua impressão em mim não era dada pela sua aparência. Sua aparência simplesmente não importava em um mundo distante onde imagens são irrelevantes. Me apaixono pela idéia da existência desse estranho sem rosto, mas com olhar tão eternecido...

Olho em volta e me encontro em um bambuzal onde todos os tons são marrons. Uma cobra rasteja à minha volta amistosamente, como quem desse apenas um conselho amigo, como quem profetizasse algo. Tudo escurece de repente e fecho os olhos. O asco toma conta de mim, abro os olhos para saber de onde vem tal sentimento. Me vejo então afundada em meio a aranhas, anelídeos, cobras e baratas, que se refestelam em mim. Incontrolavelmente sai de mim um grito visceral.

Quando percebo, estou em uma piscina, em uma imersão em algo que talvez fosse eu mesma. Consigo respirar sob a água, mas minha respiração se torna difícil e estou prestes a sufocar quando tento subir à superfície. Descubro que a piscina está coberta de vidro, e ouço o som cortante de saltos e sapatos masculinos dançando valsa sobre ele. Bato no vidro e meus punhos começam a doer, mas nenhum convidado da festa mórbida parece me escutar... Minha vista se escurece.

terça-feira, agosto 16, 2005

Ponto

De manhã, quando acordo, estou num filme em câmera lenta (ora em preto-e-branco, ora em tecnicolor - não que isso seja importante). A maquiagem é ótima: cara amassada e olheira, um pouco exagerada. A edição de imagens também, desordenadamente perfeita! E eu, modéstia à parte, pareço ter sido feita para interpretar eu mesma, com um andar vacilante e lacônicos "nhá".
O diretor não tinha sincronizado muito bem o filme com a realidade e, se meu filme era em câmera lenta, a areia ainda caía voraz na ampulheta. Ao perceber isso, precipito-me escada acima (projeto singular, o do meu prédio) e vejo o ônibus passar cambaleante. Comecei a correr como algo que não lembrava nada a personagem de alguns minutos atrás.
(Lembro da minha vida sedentária quando após três minutos de corrida eu esmoreço - e o ônibus se vai, esquecendo-se de parar no ponto).
O motorista havia me visto, trocamos olhares (suplicantes, os meus), por que não parou? Então eu sinto como a atividade anômala abalara meu organismo ineficiente: meu coração disparava, estava gélida, a garganta doía com a entrada e saída constante do ar frio, a rua formava uma anel ao meu redor.
Sento e choro como uma criança perdida. Por que não parou? Seria verdade então que ninguém neste mundo pensava nos outros, ou em mim (de vez em quando)? Não quero parecer egocêntrica, mas às vezes eu não sou capaz de pensar sozinha em mim mesma, então sento e choro. Como uma criança perdida.
Pessoas passam e parecem não se importar com a tragicomédia que é a minha vida (onde estava a esplendorosa atriz do início da manhã?).
Levanto-me e vou caminhando para a escola.

"Keep walking. Johnnie Walker."

sábado, agosto 13, 2005

Mulheres

Impressões comedidas:
algodão-doce e brigadeiro
tempestades em copos d'água
amores mal-resolvidos
toilete feminino
poesia e Adriana Calcanhoto
conversa de cabelereiro
sexo com amor
(às vezes sem também)
latidos à noite
(acompanhamento: solidão)
insegurança e rubor da face
utopias esclarecidas
(ou não)
adversidades com retorno
volante
lutadora de espadas em potencial
mistério sem mistério
mal-compreendida
ginecologista
perversa e doce
amada por alguém
(mesmo se o alguém for ninguém)
adedanha...
e final - válido para qualquer outro ser.

Esclarecimento

(Não gosto muito de intervir, mas acho que nesse caso pode ser necessário)
Aos que pensaram que eu fosse, ou quisesse, me suicidar (alguns que comentaram e outros que falaram comigo pessoalmente), o que eu tenho a dizer é que isso não tem passado pela minha cabeça - na verdade, não costumo querer isso - e peço para que leiam mais atentamente a citação de Pablo Neruda no início do post.
(Às vezes falho ao nunca deixar as coisas bem claras, como a felicidade que anda rondando a minha vida).
De qualquer forma, agradeço a preocupação.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Fantasmas

"As memórias do memorialista não são as memórias do poeta. Aquele viveu talvez menos, porém fotografou muito mais e nos diverte com a perfeição dos detalhes; este nos entrega uma galeria de fantasmas sacudidos pelo fogo e a sombra de sua época." Pablo Neruda


Fantasmas
(em memória daqueles que não suportaram mais)

Quando o corpo desaba:
cai de joelhos.
trezentos e sessenta graus
de ângulos incertos,
sussuros ao longe
(que estão tão perto!)
prevêm tardiamente a tormenta.
desesperos vãos, caminho
inexistente, perda total...

(Quando cortar os pulsos é a menor das dores.)

quinta-feira, agosto 11, 2005

Dados

Olha-se no espelho e tenta tocar a imagem, a garota atrás do espelho, e questiona se seria si mesma quem a olhava perplexa do outro lado. Como se, de repente, surgisse um abismo que liga as idéias às imagens, sendo o mundo à sua volta de uma aleatoriedade assustadora.

Às vezes é difícil acreditar que a sua vida aconteça na sua própria vida.

(Talvez a felicidade esteja na crença do que é inacreditável)

quarta-feira, agosto 10, 2005

Cena de Cinema

Acorda com a cara de quem tivesse dormido por uma eternidade, embora a eternidade representasse em seu rosto sereno de olhos profundos e boca vermelha um segundo de inconsciência. Cara idealizada de belos sonhos (embora qualquer pessoa normal, tendo sonhos ou pesadelos, acorde com a cara amassada - ressalte-se então que ela não seja uma pessoa normal e que contenha em si toda a paixão do mundo considerando que a paixão, embora aromatizada artificialmente, seja real e que se ela contém toda a paixão do mundo também contém toda a beleza e que, se os passarinhos cantam e as borboletas voam, são para ela e que o mundo todo gira ao seu redor em um bairro pacato de Nova Iorque).
Troca de roupa (vestido florido com decote que mostra que, se sua alma é de menina, sua beleza é de mulher: desliza pelo seu corpo como o ritual de uma rainha egípcia), e sai para a rua para se certificar que o mundo existe, embora aquela perfeição de efeito especial de última geração não a incomode ou a faça desconfiar.
Fala com o padeiro, velho amigo de seus pais, e prova dos biscoitos mais delicados, para enfim escolher uma baguete com gergelim (seria Paris?), quando algo a faz deixar o pão cair como se crianças na Etiópia não passasem fome - por um momento esqueci-me de que seu mundo é perfeito.
Mas como? Não havia ele partido para uma missão com outros doutores a fim de combater a desnutrição das crianças na Etiópia (?) ? No entanto estava ele no outro lado da rua, voltara mais cedo seu amor, o único amor, o amor infinito, ao perceber que queria mesmo era uma vida perfeita ao lado da menina/mulher/deusa num bairro pacato de Nova Iorque/Paris. Ela imóvel, ele decidido. Com um ramalhete de rosas colombianas vermelhas na mão, e o sorriso de uma vida feliz nos olhos, atravessa correndo a rua quando um carro o atropela de modo que ele se espatifa a cinco metros do local, assim como as pétalas das rosas colombianas.

Felizmente não resisti à realidade.

terça-feira, agosto 09, 2005

Standby


Senta se afasta outros sentam levanta anda para um lado e para o outro fura o chão 'não é meu ônibus' são seis e meia '4111 de novo?' anda para um lado anda para o outro fura o chão senta e se afasta. O momento flui e se esvai.

Onde estariam os pensamentos? Feriando talvez ("esperando o trem"). Tenho pressa, quero chegar em casa, fazer o que deve ser feito, o trivial pesa nas costas já plúmbeas ("esperando o sol"). Quero me divertir até o amanhecer, dormir é o possível.

Há muito espero esse trem, e ele passa, por que não o alcanço? A pé a esta hora é um perigo. Vidas inteiras se passam e inúmeros 4111, quando chegará minha vez? Espero os dias na ânsia de terminá-los, esperando um dia que eu não queira que ele termine ("no desespero de esperar demais" quero voltar atrás - mas o trem não percorre tais vias).

Sento, afasto-me da moça sentada ao meu lado, a proximidade me incomoda. Às vezes sonho que acredito em um deus e que, se a areia cai na ampulheta, é ingênua ilusão de ótica. Surreal.Mas há somente a espera do fim do dia, a espera do dia sem fim ("esperando a festa, esperando a sorte, esperando a morte, esperando o norte"), do surreal. A espera do tempo precioso que não queria gastar, onde encontro uma pedra para atirar no quinquagésimo segundo 4111?

("Esperando enfim, nada mais além. Esperança aflita, bendita, infinita do apito do trem")

Se viver é aproximar-se cada vez mais da morte, acabo por querer suicidar-me um pouco por dia.



P.S.: http://chico-buarque.letras.terra.com.br/letras/45160/

segunda-feira, agosto 08, 2005

P.S.:

Pão-com-manteiga também serve, mas não fica bom com folha-de-louro.

Sobre o nada

O que tenho a dizer hoje é nada porque acordei me sentindo arroz-com-feijão. Ora, se não é do nada que se começa tudo? Claro que arroz com feijão nunca vira canjiquinha da Tia Mercês, mas, enfim, feijão fica diferente com uma folha-de-louro.

Hoje, por exemplo, percebi que ser a filha predileta de Rajneesh também é ser arroz-com-feijão. De que adianta ser mulher se ainda existe a felicidade (ou a tristeza) morna e indefesa do nada? Sim, indefesa, mas a covardia humana nem sempre a ataca. Filhas de Rajneesh não a atacam, quanto mais a predileta, questão de honra, enfim.

Oh, sim!

Só mulheres sabem usar folha-de-louro...