terça-feira, dezembro 26, 2006

Primeiro Comando

Não pense nele. Não pense nele. Não pense. Nele. Nele não pense nele não pense não pense pense pense pense pense procure descubra chore pense reveja relembre agonize pense repense sonhe repense suspense pense pense pensss... penssss... (nele).

Ele. Ele lá, pense, ele e todo o seu jeito toturantemente feito para você, luva para você. Ele coube, ele cabe, ele está, ele quer., ele quer?, quer., quer não! quer quer bem-me-quer mal-me-quer meu bem meu mal meu clichê meu filme minha cena, ele, ele, ele, pense, pensss... pensss...
(eu ordeno).

Ordena sim. É você, agora sou eu que falo, desse meu eu que parece pertencer ao meu cérebro, e não o contrário. Olha ele de novo, não!: é você, esse meu cér...coração, que me possui, coração, não é pensamento, é amor! É!! É meu eu falando alto demais, é meu cérebro que possui meu eu me obrigando a pensar, pensar nele, pensar que cérebro é coração, pensar que o cheiro é dele, pensar nele, pensar no que eu não quero, eu não quero!

Pensar que é amor, e não é! É pensamento que não sai, é mania, é prova que a cabeça é dona de tudo, que é possível trair-se assim, essa autosabotagem dos infernos. Esse medo de seguir adiante, de aceitar o novo e todo o seu encanto. De aceitar mais um amor se o que já se foi está gasto, puído. O cérebro não deixa esquecer pois desconhece outra coisa, outra pessoa, luva de pelica.

Luva de pelica? Pense! pense, pense nele e no sorriso, nele e no presente, nele e no futuro, nele e no afago, nele e no trem, o metrô, o que a move, o que a leva... a ele. A ele! Ao presente. Pense pense pense no bem me quer me quer me quer... Ai, pois esse meu bem... esse me quer e eu quero esse bem-me-quer...


(confira a versão da
)

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Pausa para o café


(in: Malvados)
Não é exatamente algo que se ponha num blog, mas morri de rir, fazer o quê!

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Solilóquios IV

(...) Sei que não escreve pra mim. Sei? Queria que escrevesse. Não, não queria. A certeza de que rondo seus pensamentos enquanto escreve não nos traria soluções. Não me traria soluções. A certeza não diminuiria a necessidade de obnubilar... Queria a certeza por vaidade mainha de todos os homens.

Mas não escreve pra mim, meu bem, não é? Diga, deixe claro de uma vez. Das dores, essa seria a menor: uma outra certeza, mais egoísta, de que qualquer dor em si causada não foi por esta humilda amante. Esta pretensiosa amante. Quanta pretensão pensar que você pensa em mim, mal cabe em minha pessoa!

Certezas, certezas... É certo que nenhuma das certezas faria todas essas distâncias menores ou daria fim ao silêncio interminável. Nem a certeza, nem o comentário bobo suspenso no receio.

Meu desejo não faria o seu maior. Não faria o seu sequer existir.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Estéril

Depois de tudo, o esgotamento. Difícil acreditar estar tão exaurida por ser simplesmente... humana. Plantar, cultivar, cuidar: falando de humanidade, deveria excluir a pá e a enxada que minhas mãos incrédulas carregam no enterro dos meus desejos mais profundos.

Os pés descalços na terra molhada não são lembranças, não são infâncias. Contemplam todas as árvores infrutíferas as quais cultivei com tanto carinho, todas elas fadadas à morte. Exaurida, já disse. Por si mesmas nunca puderam fazer muito mais que aprofundar as raízes. Por mim, valeram o peso de sua existência - e isso não basta.

Os ombros fortes e queimados do sol poente partem em busca de outras terras. Terras de abacateiros e jabuticabeiras. Terras menos hostis. Terras...

domingo, outubro 29, 2006

Butoh II

Tu, *, és a luta da borboleta para sair do casulo. És uma dança, és uma luta-dança bela e forte. És forte e teimosa. Não és como Florbela Espanca: vês o navio ao longe e sabes que poderá ir tão longe quanto ele. Ou mais. E além.

Ao dançar, sabes que o além-céu e o além-mar te aguarda. Tens a certeza.

És a certeza.

Butoh I

foram muitas mortes para você ser do jeito que é hoje.
todo o seu presente,
todo o seu eu deve sua condição (d)e existência aos seus mortos.
seus ancestrais.

carregue consigo sua legião de mortos, pois a morte é o começo,
e é a morte que o garante hoje.
cada pessoa, cada familiar,
cada sonho seu, cada sonho alheio,
cada amigo e inimigo,
cada bandeira e dogma
cada desastre e glória
cada.

não pise no palco sem carregar consigo seu exército
de rosas podres. a energia do que poderia ter sido
e não foi. por você.

(à infância do pai vendendo alface na rua
e à sua luta pro luxo meu de cada dia
à subserviência da mãe e seu eterno
sacrifício
à tia-avó carcomida de caranguejos
aos outros tantos espermatozóides
que ficaram pra trás)

não é o assassino. nunca se sinta culpado
dos mortos que o fizeram.
seja eternamente grato:
carregue-os consigo.

nunca teria noção da força de sua legião de mortos.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Dona

Queria ser dona.
Nada imbuído de sentimentos totalitários, nem consumistas. Não sou uma colecionadora, e se fosse, não emolduraria meu objeto de desejo. Manteria ao meu lado, sempre, gastaria... e renovaria. Seria profundo, e não vil. Nem vão.
Queria ser dona do amor que ele exala.
Nada relacionado ao sentimento de propriedade, necessariamente. Seria uma garantia. Tanta paixão e tanta incerteza! Quer algo mais certo que contratos? Algo mais chato? Queria ser dona ainda assim.
Queria ser sua dona.
Não um título. Não queria ser venerada, posta em um pedestal. Queria que não fosse um colecionador. Queria deixar livre, sem medo de não voltar. Garantias, garantias!... Garantias, certificados, contratos, cláusulas, subcláusulas, entrelinhas...

Queria que não fosse um amor...

segunda-feira, outubro 16, 2006

Cadeira: pra que te quero?

quero-te porque:
tens muitos pregos
(mas não machucas)
és de madeira
(e combinas com minha saia)
podes ter almofadinhas
(embora não precises)
encaixas no canto
(e gostes mesmo é do centro)
volto a pé
(és meu alívio!)
vou embora
(mas tu nunca te moverás)
(ou...?)

sobretudo, quero-te porque
não me acharias louca ao
,estática,
deparar-te comigo falando dum
homem.


e pra que a Lí quer a cadeira?



Prece

Papai-do-céu-,-terra-e-inferno-nosso-de-cada-dia,

Que a vida não seja sempre círculos, que o mundo não seja sempre redondo
Pois eu bem sei que o fim se aproxima, e que ele é sempre um recomeço
Previsível, previsível... Infinito e anti-horário.

Que o acaso seja o quadrado necessário para o devido aprendizado
Que cada giro noventa graus à esquerda seja o tapa necessário de um ensino
Retrógrado e inesquecível, inesquecível... Horários!

Que o círculo não me dê a falsa sensação de ter aprendido e achar
Que a dor não seja iminente... Ele ainda está, escapa pela tangente
Ainda que você a tente evitar.

Que o quadrado não faça eu esquecer que eu tenho poder de parar
Pois a supresa pode abater... O amor nem sempre é algodão-doce
E que eu o tente evitar.

Que assim seja.

terça-feira, outubro 03, 2006

Histórias de Metrô II (parte II)

Eu deixei que o senhor leitor bem me julgasse, ou muito mal. Não por acaso, não posso controlar meus sentimentos enquanto o fim do espetáculos, oras, não chega ao fim! Amargura? Se for necessária pra compreender! Sadismo? Se for necessário pra não se envolver...

"Por que não pode falar? Você sabe que sempre pode falar comigo."
"Isso eu prefiro não falar"
"Eu te amo, você nem tem idéia."
"Eu também te amo."
"Então por quê? Pra quê?"
(murmúrios femininos)
"Eu te amo, não faz isso comigo."

E ela fez. E o espetáculo acabou. Pensei: teriam sido felizes? Com certeza. A conversa monótona, mas tão sofrida, não permitiria que a felicidade voltasse. A peça chega ao fim algum dia, e julguei tolo aquele homem que não entendia que a um texto de teatro não se fazia remendos, extensões, senão não seria arte. "Senão era mais uma dor... Senão não seria o amor". Era cúmplice do homem que havia sido meu motivo de chacota alguns instantes antes, quantas vezes eu não havia implorado por um ato a mais, nos mínimos ou máximos gestos? Quantas vezes eu não quis fazer remendos desleixados e estragar tudo? E eu estava ali, do lado, parada e olhando pra frente, enquanto meu pensamento só queria sacudir aquele ator e gritar em sua face abatida: a peça acabou, está ouvindo? ACABOU! Saia do palco já, saia desse metrô, agora é a sessão dos palhaços. Dos palhaços, entendeu?! Saia já!

E eu saí.

Histórias de Metrô II (parte I)

A estrutura cinza, sólida, rígida. As portas automáticas, cortinas? A caixa metálica, palco? se as cadeiras, platéia? Praticamente um teatro futurista, a arte andante de ouvir conversas alheias. O espetáculo pro qual você não pode olhar, muito pelo contrário, deve fingir que não está ali, ser indiferente à vida à sua volta, morrer um instante para assisti-la em outrem. Assim fui cativada por uma voz feminina e uma masculina, não de uma conversa curiosa ou corriqueira, e sim uma conversa tão... comum.

"Eu te amo."
"Eu também te amo."
(beijos)
(murmúrios femininos)
"Mas por quê?"
"Não sei..."
"Você não me ama?"
"Amo!"
"Então, por quê...?"
"São outras coisas, não sei... Amo sim, mas assim não dá..."
"E o que é?"
"Não posso falar."

Wylde falou através de Mr. Henry sabedoria que não poderia ser tão contemporânea, se antiga. O amor é lindo, é como um espetáculo. O problema é que as mulheres sempre insistem em um ato a mais e o amor, como um espetáculo, tem seu fim - e assim deve ser aceito. Eu disse anteriormente que a história não era curiosa, era comum, mas menti de certa forma... Por um instante achei curioso um homem estar ali, tentando compreender o fim, suplicando com os olhos que eu não via por mais um, dois atos... ou a eternidade! E o sorriso malicioso de Dorian Gray que eu não via apareceu nos cantos dos meu lábios, mas a risadinha discreta que dei por dentro eu senti, sim. Ô se senti.

sábado, setembro 16, 2006

Histórias de Metrô I

Fora do metrô as coisas passam tão rápido, uma tal de velocidade relativa. Nossa vida, cheia de velocidades relativas relatividades relatadas por pessoas tão.. relativas. Relativamente tomei uma decisão de uma vida inteira dentro de uma velocidade relativa, de um tempo relativo, sentada no cinza frio acolhedor do metrô.

Comia sentada no assento marrom o meu almoço fruto de meu tempo (relativamente) pequeno, quando entra um senhor (relativamente) velho e senta-se no banco certamente cinza. Percebo como tanto que eu conhecia (relativamente) pouco o senhor mas o quanto ele (relativamente) me cativava. (Cansei-me cedo da relatividade dessa história, subentenda-se no resto do texto a relatividade de cada substantivo e verbo, de cada sujeito, sentimento e ação, de cada tempo, de cada soma, de cada português matemática biologia física química geografia história filosofia sociologia e religião).

Pensei no meu avô, o que se foi e o que sequer chegou, e vi o senhor. Era frágil, era casquinha de ovo, tinha sofrimento, tinha dor, tinha uma vida inteira nas mãos enrugadas, tinha tanto...! Era a experiência. Minha última experiência com avô que eu tinha tido fora com o avô que sequer chegou, que não sabe meu nome e não sabe de qual filha (cujos nomes ele também desconhece ou ignora) dele eu sou filha, pensou que eu fosse da outra que já se foi. Nunca pensei que fosse desejar que alguém tivesse Alzheimer, esclerose, problemas neurológicos ou alguma explicação científica. Enfim, a experiência tinha sido uma não-experiência.

Não precisava mais da não-experiência, na minha cabeça eu recriei minha história, onde aquele senhor era meu avô e derramava em mim toda a sua experiência e todo o abandono de seus sapatos roídos. Os amigos não são a família que escolhemos? senhor, quero ser sua amiga, temos mais nove minutos e meio pra isso! Ou o resto de sua vida inteira. Senhor, eu queria um avô, será que o senhor tem uma neta ou beliche? Eu não incomodo muito e minha avó me ensinou a fazer docinhos, imagine, minha avó! Ela poderia ter sido sua esposa em algum outro lugar, quem sabe? Se o senhor desse uma voltinha no interior de Minas, vamos voltar? Acho que essa cidade não faz bem pro senhor, como que o senhor se sentia durante a Segunda Guerra mesmo? Conte-me de suas guerras e lutas e vitórias. Senhor, quer ser meu amigo, quer ser meu avô?

E a porta do metrô fecha-se nas minhas costas, levando meu amigo de uma vida inteira que não tivemos.

sábado, agosto 19, 2006

Náuseas e Lágrimas

Essa tontura, esse frio na barriga, só com a vista de seu retrato. Como está diferente! E como é o mesmo garoto que eu conheci, a rosa que esmoreceu... Garoto? Não mais. Foram anos que se passaram nesses meses, anos!, e eu vejo isso estampado na foto. Enquanto segurava sua mão e éramos tão jovens (e ainda somos tão jovens!), há esses anos-luz-meses atrás, pensava que estaria sempre segurando-a e vendo o tempo passar, e vendo a paisagem mudar, e nossas mãos dadas não mudariam nunca. Eu o olharia com os mesmos olhos ternos e com a mesma cumplicidade de amiga que foi tão infinita enquanto durou. E acabou. E a ver você tão distante, tão adultescente, tão lindo!, e inalcançável.

Veria tamanha beleza quando estava do meu lado? Vi-a, dessa maneira, tão arrebatadora quando o tinha em meus braços, quando éramos crianças e nosso peso era tão leve... Nossas obrigações eram tão... nulas... É tão lindo aos meus olhos agora porque é inalcançável? Por ciúmes? Teria você um dia me olhado devastadoramente como no retrato? Era tão dócil, e a fortaleza na qual se tornou é a mesma que usa pra se proteger de mim, pra proteger o novo de um jeito que o velho não quis... Pra proteger o adulto de um jeito que a criança não pôde. O melhor ataque é a defesa, e só haveria de vencer a guerra que travou, quer como fosse. Aprendeu a se proteger, a desprezar, a esquecer.

Meu bem, se não tivesse se esquecido e lembrasse das mãos dadas eternas e da cumplicidade amiga... Não haveria do que se proteger!

terça-feira, agosto 01, 2006

Morbidez

(ou "Não chore pelo corpo que cai")

Adormecida pela conformidade e aprisionada pelo cotidiano, mora em si uma força incontrolável. Cárcere revoltoso do mesmo acordar e dormir para acordar e querer dormir, sorrisos que dão e pedem atenção, um choro com hora marcada para lembrar que o que é bom demais é enfadonho (mesmo que essa explicação pareça um desdém descarado diante de frustração universal, incorporado naturalmente à explicação de adversidades inexplicáveis), dos carinhos que nos fazem lembrar que somos pele, carne, osso e puro despreparo.

Se essa força aprisionada se libertar aos poucos e assim o mantiver vivo, não julgue sua natureza - é a vida, é a vida! Mas se ela não se agüentar e resolver voar sem prumo e levar consigo seu corpo, e ele saltar, não o condene suicida - apenas mais uma vítima da gravidade.

terça-feira, julho 18, 2006

Desistam

não escrevo pra ninguém
se nem sei que estou aqui...
diga se puder me ver que
me sentirei dignificada.

sabe, é chuva de canivete
são pessoas, sentimentos
qualquer um, um qualquer
por aí... em um só.

são todos em um só um
é tudo em um só todos
é o mundo, é a vida, é
é sim, tudo todavi(d)a

as pessoas não são pessoas,
são sentimentos, que não
são sentimentos, são o que
passam, é o que fica, é o
que (me) importa, sim.

quinta-feira, julho 13, 2006

Direito de Resposta

O amor é estado latente de angústia, é querer perto se longe e longe se perto, é medo de perder o que não possui, é querer sempre o sorriso do amado, é egoísmo, é felicidade forjada em ouro-de-tolo, é vertigem, é frio permanente na barriga, é ânsia, é desejo, é hormônios, é medo de ser só, é não querer admitir que si mesmo não basta, é sentir segurança nas mãos dadas e insegurança em todo o resto, é a busca de saciedade dos instintos mais primitivos, é ter motivos pra tentar (em vão) ser perfeito, é procurar escapatória na mentira, é ópio que corrói, é utopia perceptivelmente ilusória, é dancingue dos sentidos sem senso, é esquecer de respirar, é sufocar(-se).

E engorda.

É colocar-te nesse papel se não te agüento em mim. É não te agüentar em mim se sei que não estou em ti. É pra não querer estar em ti, é querer sufocar o orgulho.
(Amor e tristeza são orgulho ferido de fêmea ou grito de liberdade.)

De Fininho


De fininho assim, e meio de lado, declaro a volta triunfal dos anjos decaídos. Apocalíptico ou não, que meus demônios sejam exorcizados e minhas bondades aplacadas, equilibrium est.

Se minha liberdade é azul (e rubra, rubríssima) eu declaro aqui meu direito de exercê-la, só pra não me esquecer novamente. Anjos decaídos, hipopótamos insones, equilibrium est.

Meu pseudosacerdócio não engana ninguém, eu sei.

Mas meu desequilíbrio engana, sim.

terça-feira, julho 11, 2006

Cotidiano

eu abri
eu abri
e estava tão feliz
azul lilás serpentina
feliz era cristal
era cristal
rococó cristal

e você me quebrou.
imagina...

segunda-feira, julho 03, 2006

Prosa

Prosa, prosa... vamos todos prosear! Assim, com muitas linhas e parágrafos e pontos e pontos-e-vírgulas usados inadequadamente com uma bocado de exclamações e muitas interrogações implícitas, sabe como?, daquelas de quem não está entendendo muita coisa dessa vida sem razão ou não quer que o leitor entenda, ou daquelas que muito têm a dizer e nada dizem, também muitas exclamações e vírgulas e como falasse muito rápido sempre se esquecera desses pontos e desses fins e disso assim, com medo de acabar e não voltar mais.

Mas volta, ufa, só pra dizer que prosa não é coisa sempre calma não quando esquecemos daquela nossa infância na fazenda em Mariana, onde até tinha minha própria árvore. Assunto pacato assim, de quem não sabe como vai ser a vida, simples assim, de quem não gosta de rebuscar tudo (pois tudo não é, afinal, muito mais simples do que pintamos?). Minha árvore era muito simples, ficava em frente à casa e à esquerda do riacho (e tive que estalar meus dedos agora pra saber que lado era, na memória eu só sei que ficava lá do ladinho). Ah!, o córrego: desde que falaram que existia um tal de peixe que parecia uma pedra e que, se pisássemos, espetaria e envenenaria e iríamos morrer eu e minha prima tínhamos medo até de pedra, vê se tem cabimento um negócio desses!

E essa prosa boba, cheia de conjunções no início do parágrafo, cheia de infantilidades do menino-menina-moça-mulher (será?) que, de repente, teve medo do futuro e dessa cidade que parece que quer engoli-lo. Nessa luta de titãs diária: ele quer engolir a cidade, a cidade quer engoli-lo, e o córrego tem direito a cheiro de enxofre e quilômetros de congestionamento diariamente em vez da minha laranjeira. E quem ouve-lê essa prosa besta pensa até que eu tenho medo desse presente, mas eu tenho medo mesmo é do futuro, que parece mais é uma assombração. E se o futuro é reflexo do presente, aqui errou-se e erra-se e fica errando e errado se erra para sempre?

Seria só mais um erro tentar imitar a fala da minha tia-avó só pra tentar não ter sotaque dessa terra que me encontro e fingir que nunca saí daí? Erro querer voltar, erro querer o passado sempre, erro pensar que tudo sempre foi assim, lindo, amarelo verde azul cor-de-rosa, achar que tudo foi perfeito, na tentativa de ser feliz me considerar feliz desde sempre e que minha vida é apenas um sonho prestes a acabar?

Na prosa besta de algodão-doce eu deixo um lembrete de que tristeza é fácil de esquecer, mas é boa, sim, e que fiquem as cicatrizes, sempre.

quinta-feira, junho 29, 2006

Receio

feliz idade
o anseio, o desejo:
felicidade

conforme a idade
que vemos, que seremos:
conformidade.

(temeridade)

segunda-feira, junho 19, 2006

Sussuro

Se me perguntar, amigo, como estou?... O que direi? Não direi o que salta aos olhos: feliz,
Ao indagar-me, amigo,
como estou? O que direi?
O que salta aos olhos:
apaixonada, sempre. Abençoada pelo acaso e por tudo que há de mais incontrolável e imprevisível,
Apaixonada, a paixão
Feroz, se doce? Violenta, se cega
oh!, destino sôfrego,
jogando dados com sentimentos que da terra brotam e na terra se desintegram, fértil e em fêmea fertilidade continua...
"Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão"
Perpetua... Não é de sentimento uma pessoa, entretanto ela se faz assim
Perpétua
Sentida
Pessoa
e assim cativa, e fica, e toma, e está, e é. E só, é só?
Sol maior.



segunda-feira, abril 24, 2006

Bianca

Criava em sua cabeça, detalhadamente, sua vida de cinema. Andava de um lado para o outro, a música alta para não ouvir sua voz narrando e tornar tudo mais real. Mas isso foi antes da parede.

Ah!, com clareza via a parede mais alva e bianca de sua vida. Encontou sua testa na Bianca. Via suas mechas de cabelo negro, e veio o tombo pra cima, e estatelou-se no céu: estava dentro de si mesma; as mechas eram a moldura e o mundo era um quadro desafiador. Olhou para seus dedos longos e acompanhou suas mãos enquanto elas escorregavam na parede. Viu seus pés, seu vestido de chita, levantou-o para ver melhor suas pernas grossas, seus quadris largos, seu umbigo, seus seios pequenos - e a sentir a fria parede na sua testa. Seus dedos, suas mãos, a parede... Bianca. Ela estava dentro de si mesma, e não no espelho e nem em uma cena de seu filme. Ela: dentro de si mesma.

Testa em Bianca, olhou pra ela e falou: "estou viva", como quem conta vantagem. Sentiu Bianca em sua gélida (in)existência e colou cada centímetro do seu corpo nela. "Vê? Eu dou meu calor, eu sou viva. Você, não."

Começou a tocar o inanimado frio com firmeza, com seu corpo, com seu pensamento. Puerilmente resolveu descobrir que é viva, e se deu ao luxo de acordar mais tarde: hoje.

Se era viva, podia escolher. O sangue corre nas suas veias, nas suas vidas, era um belo exemplar da dança mais complexa de átomos que a natureza sempre presenciara. Podia escolher e começou a se arrastar no chão como uma serpente e todo o seu desejo. Podia ser humana ou não ser.

Mas era viva, e isso bastava.