quarta-feira, novembro 14, 2007

Tu vens

"A voz do anjo sussurrou no meu ouvido
-eu não duvido, já escuto os teus sinais-
que tu virias numa manhã de domingo
Eu te anuncio nos sinos das catedrais..."
Noticiaram no jornal que chegará uma frente fria nesta madrugada.
(Mal sabem eles que frente fria, com sua vinda, significa brisa do mar invadido a serra às cinco da matina.)
"Tu vens, tu vens
eu já escuto os teus sinais"
Alceu Valença

quinta-feira, novembro 08, 2007

5 meses

brás, brigadeiro, butantã
bordinha do aeroporto de congonhas
a rebordar-se em flor (bordô)

metrô metrificando a direito
e a torto os versos miméticos
matutos matutinos

vespertinos, na tarde a virar
o vão do masp ao avesso
velado, vermelhoanil

o concreto armado ri-se bobo
daquele bombocado-bem-beijado
beijo no belo horizonte...

quarta-feira, novembro 07, 2007

Foto-mutante 1872

O passado passa, passeia por entre essas ruas ladrilhadas com pedrinhas de brilhantes (estilhaços de garrafas embriagadas). Suga vida com sua ávida boca negra. Está nos livros sujos e amarelos entregues às traças, inertes. Na platéia cujas palmas das mãos já dóem. Nos cadáveres envoltos em flores sendo carcomidos por vermes. Nestas ladeiras furiosamente pacatas por onde desabam casas de avós. Nestas casas onde os rebocos sucumbem à ferocidade do tempo e, abandonados, esvaem-se com a vida e morte que não possuem.

O passado está nos seus olhos cinzas e turvos. Piscou. E acastanharam-se, sorridentes.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Num soluço, a outra linha

poesia fugaz
veio! e foi! e virou outra linha
já perdi a redondilha
e a rima? e os versos alexandrinos?
perdidos, perdidos
e o amor, subjetividade
e o vaso grego?

poderia ser prosa, mas perdi o fôlego.
poderia ser prosa, mas tô com preguiça.
poderia ser prosa, mas maiúsculas exigem o shift junto.
poderia ser prosa, mas não tenho coordenação motora.
poderia ser prosa, mas hoje tô "de poucas palavras".
poucas palavras? até demais! mas, sinceridade...
prefiro cerveja e revolução na praça da sé.

eteriza
enteriza
eterniza
tu.
depois cai no canto e dorme, que é bom, chico!

segunda-feira, junho 04, 2007

Cantiga do poeta vivo que reviveu, morto.

Algo se perdeu no texto...
assim!, entre as entrelinhas
entre todas redondilhas
e todas prosas a esmo.

Ai de mim!, perdi a rima!
Ai de ti!, perdeu desejo!
E o amor esconde no ensejo o
que o tempo esconde na brisa.

Toda a emoção e paz
a obscurecer a letra...
Só essa inspiração fugaz
A brincar comigo, leda!

Ai de mim!, perdi a rima!
Ai de ti!, perdeu desejo!
E o amor esconde no ensejo o
que o tempo esconde na brisa...


*


... E o quê o tempo esconde na brisa?...

domingo, junho 03, 2007

Eidetismo III

Esse branco me irrita. Tenho uma folha em branco na minha frente, mas ela me irrita. Quero rasgá-la com os dentes, mas a folha é indestrutível. Ela me provoca nessa branqueza toda. Ela me provoca desde sempre. O branco é um despudor de luz; o branco é quem quer que esteja fora disso tudo cuspindo na nossa cara. A folha em branco é uma afronta. A tábula rasa também é uma afronta.

E nós temos nossas mãos que estão atadas. Os punhos cerrados, a contração, a contrição. Nascemos para o despreparo, e por mais que tentemos deixar nossa marca, ela esvanece com o tempo. O que resta é a tábula rasa que não conseguimos marcar - não do jeito que imaginávamos. O que resta é essa experiência vil, experiência que não consegue enfrentar a folha em branco. Não cospe de volta. Não rabisca, não molha, não rasga, não pinta, não suja. Não há sombra.

Há a criança, a última criança, sentada no chão e encostada nas ruínas do muro, folheando páginas em branco de um livro que a humanidade não foi capaz de escrever - embora o branco não a incomodasse nem um pouco.

quarta-feira, março 21, 2007

Spin

As coisas não deveriam ser assim, mas são. Duas partículas negativas deveriam se repelir, mas não se repelem simplesmente porque giram. Não sinto repulsão simplesmente porque o mundo dá voltas, o pensamento dá voltas, o pensamento volta, minha mente elétrica em movimento gera um campo magnético, um magnetismo ou diamagnetismo, não sei. Pra uma partícula neutra eu sequer existo e para qualquer outro pensamento inquieto eu posso ser uma máquina de destruição em massa.

Ou não. Somente parte de um a-tomos. Indivisível.

***

Conseguiram desenhar um orbital, e em três dimensões, num plano cartesiano com eixos x, y e z. Sem o terem visto. Sem saberem que existe. Só para ter a satisfação de saber a ínfima área em que é mais provável se encontrar algo que também não viram. Algo que não vemos ou pegamos, mas que teoricamente somos feito de - embora sua massa seja desprezível e nosso vácuo, incomensurável.

Queria que desenhassem o amor, ou o desejo, ou a paixão, para que pudesse ao menos saber a ínfima área que que é mais provável que meu pensamento esteja - mesmo que às vezes pareça não ser lugar algum da Terra! Que os desenhem, sem os terem visto. Que os desenhem, já que somos feitos deles - embora às vezes sejam desprezíveis e nosso vácuo, incomensurável. Nem precisa ser em três dimensões, pode ser em duas (num guardanapo), pode ser em uma (a nossa) ou noutro universo (paralelo). Mas desenhem (de modo didático) e ensinem nas escolas, nos cursinhos, cobrem nos vestibulares, apareçam em matérias específicas de toda uma vida. Não conseguiram com os orbitais?


terça-feira, fevereiro 20, 2007

Corriqueiro

Não foi como das outras vezes. Ao menos, não no início. Não pensara em sexo até ouvir "acho lindo mulher dormindo" daqueles lábios que tanto beijara, e podia sentir seus batimentos cardíacos ecoarem na sua respiração ofegante.

Despiu-se e deitou-se na cama ao lado do amante. Ambos encaravam o teto com uma fixação e timidez descabida. "Queria vê-la dormir e acordar ao seu lado. Não vou tocá-la", disse ele.

O corpo dela virou-se e clamou por um sono que não viria nunca. Já havia sido de outros, mas nenhum a vira dormir antes. Ela poderia dormir de um jeito estranho, poderia roncar ou babar, acordaria com mau-hálito. Seu corpo a trairia e sua mente sequer estaria lá para saber.

Poderia fingir. Fechou os olhos e imaginou por que nenhum homem havia observado-a, assim, tão mulher e a dormir. O pensamento perdeu-se e ela percebeu que fingir dormir não era tão simples quanto fingir um orgasmo. Ela não tinha prática nesse tipo de "mentirinha".

Seu corpo virou-se novamente e sua mão tocou, de leve, a maçã do rosto e em seguida a parte interna da perna do amante. Aproximou-se mais e disse "Mas eu quero que você me toque", embora estivesse com dor-de-cabeça.

Após levá-lo à exaustão e esperar que ele adormecesse, saiu pé-ante-pé do quarto, carregando suas roupas e bolsa. Vestiu-se na sala. Se nenhum homem nunca havia visto-a assim, tão indefesa, o que faria desse homem merecedor disso? Não encontrou resposta imediata.

Pegou uma maçã no cesto de frutas e cruzou a porta de entrada, decidida a jogar pôquer na noite seguinte com suas amigas.