segunda-feira, abril 28, 2008

Fast food

Chocolate I
Estômago vazio é a oficina do diabo.


Chocolate II
Coração vazio é a oficina do diabo.


quantas caixas pra saciar essa vontade
quantas caixas pra encher a tarde
quantas caixas pra encher bucho
quantas caixas pro vazio escuro

quantas?
nenhuma, nenhuma...

segunda-feira, abril 21, 2008

Ovo

O ovo na frigideira. Vou fazer uma loucura de amor.

(E penso em você assim, tão distante, mas sempre tão perto e tão junto do meu peito. Sempre, meu sempre é sempre desde aqueles dias de praça; meu sempre é sempre desde que você me deixou assim, tão dramática, tão sedenta por sua atenção, nesses palcos da vida.)

Uma pitada de sal. Vou fazer uma loucura de amor.

(E você tão longe, e esse "tão" nem é tanto, já venci distâncias maiores no espaço. Você tão longe no tempo, também já venci distâncias maiores no tempo. Minha vida é vencer distâncias, minha vida foi mudar de rumo, eu me fui, você se foi...)

Um espirro de óleo quente na mão. Vou fazer uma loucura de amor.

(E é isso, é só parar, pegar a bolsa, pegar o ônibus, pegar vergonha na cara e pegar aquela carta e ir até você assim, como meu pensamento sempre vai e o meu corpo sempre fica. Foram sempre aqueles amores de entrelinhas, pra quê?, se eu tenho esse corpo e essa alma pra lhe dizer!)

O ovo no prato. Estou com fome. Não vou fazer uma loucura de amor e por hoje é só.

domingo, abril 13, 2008

Domingo

Suspiro entre um capítulo e outro

(a moça, à janela, comendo gelatina de abacaxi enquanto a mãe faz o pãozinho ligeiro. receita da avó, conta)

voz da mãe, voz da rua
do forno, da colher batendo no fundo da xícara
ar de outono quente
silêncio de domingo surdo-mudo.

sábado, abril 05, 2008

A propósito da música II

Intermezzo in A
Brahms
(a Alexei Lisounenko)


O pianista toca o piano como a uma mulher. As teclas são curvas e macias, a pele é marfim. Começa pelos tornozelos, suave, e violento à cintura. Amortece nos ombros, com um beijo e um amor calmo. A mulher acorda e lhe sorri "preciso ir", e as teclas fervilham "não vá", e ela se veste às pressas. Desce as escadas como a fúria dos dedos desce ao piano - mas ela esqueceu a echarpe. O perfume apazigua a música e corre, corre o músico à janela esperando que ela volte para buscá-la. Atravessa a rua, e vira, "ela voltará!". Não volta, apenas sorri um "eu te amo" e segue seu caminho, com os aplausos.



Divertimentos
Mozart
(a Maria Inês Toledo Piza e Bernardo Toledo Piza)


Sopram os divertimentos como se pulassem em poças d'água, esperando a bronca da mãe, ao voltar para casa.



Polichinelo
Rachmaninoff
(a Alexei Lisounenko)


a cada nota, o pianista
mais um centímetro adentra o piano
a cada som, o piano
enfeitiça os dedos do pianista

terça-feira, abril 01, 2008

Solilóquios V

Futuro
"Some of the times the future comes right round to haunt me
Some of the times the future comes round just to see
That all is as it could be, like if it's to remind me
We've got to wait and see"
Beth Orton


Passado

Nosso passado é uma arma poderosa. Pesada como bola de canhão, sempre apontada a um presente qualquer. Nosso passado esmaga qualquer presente, se deixarmos. Nosso passado é bola de canhão desde que nascemos, pois ele é o peso de toda uma vida. Se você tem dezenove anos, você conseguirá esmagar seu presente tanto quanto alguém de quarenta e dois. Quisera eu dizer que a primeira bola tem dezenove quilos e, a segunda, quarenta e dois. Não sou besta, sei que não funciona assim. Nosso passado é mais grave que a métrica.

O passado dos outros?, ah!, o passado dos outros é armadilha. No passado dos outros você cai, e não tem lá muita escapatória. O passado dos outros é tão traquinas que é capaz de esmagar, mesmo sendo uma rede suspensória. É capaz de selecionar e, principalmente, de excluir - tirar do caminho, puf. Talvez o pior do passado dos outros é que são eles quem escolhe o lugar da armadilha, e não você. Será?

Seja ou esteja, agüente, e siga firme. O passado eu passo.


Presente

O presente passou. De novo. E de novo. E está sempre aí, com seu laço de fita vermelha.