quarta-feira, outubro 21, 2009

Veraneio

"Me perdoe
nisto você pode confiar"
'Veraneio', cLAP!

Os olhos marejam sempre que penso que a minha vida tá aí fora. Na boca dos outros. Nos olhos de um desconhecido. Na memória do amigo distante, dos amigos de antes. Essa vida que tava aí, e era tão viva, contornada a nanquim, com toda aquela essência que não se pode mudar.

Tava escrita no casco de uma árvore e, quando corro na selva de pedra, quando corro em todos esses lugares-comuns, não encontro mais. Cantaram essas mudanças que eu tanto queria, e mudei, mas tanto mudei que já não lembro que mudanças queria. Agora tatuei nos meus pés que não quero mais mudanças.

Não queria aquelas mudanças. Quereria, agora, não ter mudado - pra não querer parar de mudar. Quero voltar a querer mudar. Como era antes. Quando eu ainda não tinha mudado pra isso.

(Quando eu ainda não tinha percebido que mudar de casa e cidade, cortar os cabelos e o cordão umbilical, não me mudaria em nada. Só sossegaria um coração que era aflito por dever, e hoje já nem se dá o direito da aflição)




Ouvir cLAP! faz bem.

sábado, outubro 17, 2009

Sintoma de culpa

Quando te falo assim, com essas palavras tortas, não só falo. É qualquer coisa assim, confusa, que preenche esses silêncios, qualquer voz que tome o seu mundo, que reverbere nos teus ouvidos. Qualquer coisa que mova o que está imóvel. Coisa qualquer, que crie eixos para tirar dos eixos.

Quando te olho assim, não só olho, eu sinto. Eu sinto mais, eu sinto além, eu sinto tudo. Eu sinto muito.

sábado, julho 18, 2009

Dos sentimentos devotados a entidades sem rosto I

Eu quero perder-me nos braços. Nos braços de um rosto desconhecido e belo. Não há mais passado que valha, e o passado engole vorazmente estes rostos do presente, rostos de braços inúteis e inóspitos.

(O passado não tem mais rostos para o amores táteis)

Quero perder-me nos braços e nos cabelos e na nuca e no cheiro. De quem, não sei quem, aquele, não sei. Perder-me com sofreguidão. Dissolver-me com fúria. Desejar à exaustão esse desconhecido, como se uma corda me puxasse pelo umbigo em direção ao nada.

Perder-me nos braços cabelos carne osso. Eu quero perder-me no que há de vir. E em nada mais.

sexta-feira, julho 17, 2009

Cântico corrido das disposições universais

Olha para o todo. As formas compassadamente mutantes da realidade cotidiana e da irrealidade ficcional vêm dessas formas imateriais, esses vazios inexplicáveis que somos nós. Olha para o todo.

A vaga te perguntará o sentido e se, distraído, olhares para ti, não saberás o que responder. Se não responderes, não saberás para onde ir, e te sentarás no meio do caminho, perdido entre a ida e a volta. Como se as opções fossem muitas, como se não fossem nenhuma. Como se a estrada não fosse óbvia.

Não aches o caminho no teu corpo. Ele que é um só, e tua carne que não é. Ele que te levará aos ciclos de tua errante corrente sanguínea e não te levará a lugar nenhum. Teu corpo não é nada. Nada sem aqueles outros entes imateriais, sem as histórias, sem as falácias. Teu corpo, sozinho, não é nada. Olha para o todo.

terça-feira, abril 07, 2009

Sopro e pulso

O coração bate arretado, apertado, sem pressa de parar e com pressa de pulsar. Forte, doído. Como se quisesse irrigar o quarto vazio de sangue, como se as veias não fossem o caminho certo, como se estar dentro de si não fosse suficiente, como!

O que escapa à boca não escapa ao coração. Por isso o pulsar denso e o silêncio. Sopra uma voz anciã: "Criança... nunca foste de guardar tantas palavras".

Agora era, mas não por muito tempo. Aguardava, muda, que as palavras pulsassem fluidas por entres os dedos e fizessem uma lambança obtusa no quarto; passassem por debaixo da porta e inundassem corredor, cozinha e sala de jantar.

Quando o fluido não bastasse, as palavras dissolveriam-se no ar e seriam ouvidas por ouvidos desatentos, causariam calafrios, levariam alegrias inesperadas. Misturariam-se com a voz anciã até que ela fosse inaudível aos ouvidos de qualquer outro ente desavisado, mudo e a pulsar. Não mais faltariam palavras à boca. Não mais faltarão palavras ao coração.