sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Novo papel Kodak

A foto era inrasgável. Mecanicamente, digo.

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Eu tive esta ideia de que a vida havia sido vasta demais em documentação, e que tudo que deveria ser importante estaria aqui dentro quando eu precisasse. Resolvi rasgar as cartas de amor.

Alguns rasgões depois, perguntei a mim mesma se fazia a coisa certa. Não tinha resposta, mas me sentia tão bem.

(Cigarro faz mal, mas me sinto tão bem; bebida faz mal, mas me sinto tão bem; batata frita faz mal, mas me sinto tão bem; amar também)

Perguntei a um amigo se estava fazendo direitinho e ele disse "NÃO!!", ao que respondi "tarde demais."

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Deixei algumas marcas na foto ao tentar rasgá-la. Seria um sinal? Guardei-as com o desenho de uma flor. Guardadas com o desejo de liberdade.

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Com uma carta diverti-me no primeiro parágrafo, emocionei-me no segundo e entediei-me na primeira frase do terceiro. Esse amor era um fardo.

Outra, lembrava exatamente do que se tratava. Nunca esqueci. Só que o tempo tornou-a criptografada, a letra que amava ler tornou-se ilegível.

Essa terceira me supreendeu: dizia que me amar não era bom. Que eu não era boa. Que eu brincava com seus sentimentos. Creio que pensa o mesmo até hoje, depois de tanto, depois de tudo. Devia ter razão: por que a guardei por tanto tempo? Sádica.

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Tirei-a da gaveta. Cortei-a em tiras verticais. Era a foto de um beijo. Juntei as tiras para jogá-las fora. Hesitei. Montei de novo o quebra-cabeças.

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Numa folha de papel rasgado, algumas frases em alemão. Não era nenhum souvenir. As memórias que não me deu, mas as pequenas coisas que eu acreditei ter recebido para criá-las. Dessa me desnvencilhei facilmente, enfim.

Um papelzinho com um telefone. Rasguei sorrindo. Não sorria para você há cinco anos, meu caro.

E outro, o telefone que já sabia não existir mais. Já era, em si, uma memória inútil. Rasguei. Doeu.

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Tirei do quebra-cabeças a tira com a imagem de nossas bocas. Tirei a boca do beijo. Você não vai acreditar: o beijo ainda estava lá.

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Aí eu juntei tudo e joguei no lixo, e usei o espaço no armário para guardar roupas de inverno.