sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Às Outras Vidas

Ângulos

Ele é um artista, é o que sempre digo. Nessa aura de admiração já me perdi, quantas vezes em espaços de tempo infinitesimais. Somos felizes. Somos companheiros, afinal, e há o amor. Ele sempre volta...

Quando soube da primeira, através de amigos, não me abalei tanto quanto penso que me abalaria. Há, afinal , muitas musas no Olimpo, e como as outras gostam de falar que já foram vistas, retratadas, eternizadas, tocadas, comidas! Mulheres da arte. Mulheres da vida, do fandango. Messalinas, prostitutas. Ele encontrou-me no nosso quarto com três caixas de camisinhas ao lado da cama, e perguntou o que era aquilo. Respondi que devia dar para um mês, mesmo com sua insaciabilidade e falta de jeito. E as pílulas?, respondeu. Se você pode comportar-se como um gigolô, eu ainda tenho direito à minha saúde, desrespeitei. Não há mais tanto respeito, mas ainda há amor. Não houve briga, ele não é dado a mentiras, afinal. (É um artista.)

Meus amigos sempre contemplaram os quadros que fez de mim. Foram vários. Começaram a aparecer outros, com outras mulheres, nenhuma mais de uma vez. Uma vez, um homem. Fiz bem com as camisinhas, afinal. Eu gosto de deixar ele assim, solto, pois ele é isso. Ele não se cansa, diz que dos ângulos eu tenho muito mais que 360, que sou sua obra e que um dia sobrarão ângulos pra ser sua obra ao avesso. Nas outras musas, aquelas!, todos os ângulos de uma só vez. Em mim, ângulos infinitos, palpados. Às vezes ele dizia que eu não cabia mais na tela, e me pintava a boca os seios o sacro o calcanhar, sobretudo, dizendo que tinha tudo que Aquiles tinha e o que não tinha, também. Ele via força no meu silêncio, no meu jeito de fechar os olhos com suavidade. Suaves são as noites...

Eu me pergunto se, um dia, ele terá encontrado todos os ângulos. Se eles serão menos que 360, afinal. Se, então, ele não voltará mais. A verdade é que me pergunto os ângulos que eu me recusarei a mostrar, quais a arte não revela, quais ele não merece, ele não merece. Quais farão ele ir embora. Quais farei ele ir embora. Os que sumirão num dia azul que ele me procurar num suspiro rouco, os que sumirei. Sumirei. E ele renovar-se-á. É um artista.
***
Henri Matisse
Odalisque in Red trousers, c. 1924-1925

4 comentários:

Anônimo disse...

Corrija a data abaixo do quadro:
1924-1925 !!!!!
Texto estupendo.

)borbas( disse...

Bixete, digno de ser enviado pra piauí!!

Luísa Costa disse...

corrigido.

Lívia Aguiar disse...

perdoa ela, é uma artista ^^