sábado, setembro 16, 2006

Histórias de Metrô I

Fora do metrô as coisas passam tão rápido, uma tal de velocidade relativa. Nossa vida, cheia de velocidades relativas relatividades relatadas por pessoas tão.. relativas. Relativamente tomei uma decisão de uma vida inteira dentro de uma velocidade relativa, de um tempo relativo, sentada no cinza frio acolhedor do metrô.

Comia sentada no assento marrom o meu almoço fruto de meu tempo (relativamente) pequeno, quando entra um senhor (relativamente) velho e senta-se no banco certamente cinza. Percebo como tanto que eu conhecia (relativamente) pouco o senhor mas o quanto ele (relativamente) me cativava. (Cansei-me cedo da relatividade dessa história, subentenda-se no resto do texto a relatividade de cada substantivo e verbo, de cada sujeito, sentimento e ação, de cada tempo, de cada soma, de cada português matemática biologia física química geografia história filosofia sociologia e religião).

Pensei no meu avô, o que se foi e o que sequer chegou, e vi o senhor. Era frágil, era casquinha de ovo, tinha sofrimento, tinha dor, tinha uma vida inteira nas mãos enrugadas, tinha tanto...! Era a experiência. Minha última experiência com avô que eu tinha tido fora com o avô que sequer chegou, que não sabe meu nome e não sabe de qual filha (cujos nomes ele também desconhece ou ignora) dele eu sou filha, pensou que eu fosse da outra que já se foi. Nunca pensei que fosse desejar que alguém tivesse Alzheimer, esclerose, problemas neurológicos ou alguma explicação científica. Enfim, a experiência tinha sido uma não-experiência.

Não precisava mais da não-experiência, na minha cabeça eu recriei minha história, onde aquele senhor era meu avô e derramava em mim toda a sua experiência e todo o abandono de seus sapatos roídos. Os amigos não são a família que escolhemos? senhor, quero ser sua amiga, temos mais nove minutos e meio pra isso! Ou o resto de sua vida inteira. Senhor, eu queria um avô, será que o senhor tem uma neta ou beliche? Eu não incomodo muito e minha avó me ensinou a fazer docinhos, imagine, minha avó! Ela poderia ter sido sua esposa em algum outro lugar, quem sabe? Se o senhor desse uma voltinha no interior de Minas, vamos voltar? Acho que essa cidade não faz bem pro senhor, como que o senhor se sentia durante a Segunda Guerra mesmo? Conte-me de suas guerras e lutas e vitórias. Senhor, quer ser meu amigo, quer ser meu avô?

E a porta do metrô fecha-se nas minhas costas, levando meu amigo de uma vida inteira que não tivemos.